É activismo em forma de mictórios — mais de cem anos depois de Marchel Duchamp ter exposto a sua Fonte, um mictório de louça em Nova Iorque — que aos poucos se vai instalando nas ruas e nas esquinas de Barcelona e que ameaça chegar a destinos turísticos em que muitas vielas e monumentos se transformaram em autênticas casas de banho. "Normalizou-se que a cidade cheira mal", justifica Joan Juncosa, artista que a Fugas conheceu há coisa de um ano no Porto, o paraíso dos azulejos, e que está neste momento a instalar cem mictórios versão street art com o aviso Fora de Serviço nos cantos fétidos da cidade espanhola como uma praga bíblica para castigar uma das capitais turísticas da Europa.
Através de um código QR, qualquer transeunte pode ler a explicação do artista, que não usa nem uma máscara nem qualquer tipo de disfarce enquanto cria. A Fugas retomou o contacto com Joan, sempre preocupado com o património, seja em forma de azulejos maltratados, seja de muros maltratados.
“Sou muito responsável pelo meu projecto. Sou muito claro sobre o que faço, como faço e por que razão o faço. E se um dia tiver que dar explicações, aqui estarei", responde Joan, 36 anos, arquitecto de formação e artista plástico com um caderno cheio de "ideias para revolucionar o mundo".
E de onde saiu esta última? “Fui à parte velha da cidade com uns amigos há coisa de um mês e comentei 'Cheira muito a chichi' e alguém respondeu "Sim, claro, é normal". "É normal...", repete Joan. "Essa palavra explodiu na minha cabeça. Como é que é normal? Normalizámos que Barcelona cheira mal. Mas isso não quer dizer que seja normal."
A lâmpada acendeu-se e, em menos de uma semana, já Joan tinha comprado um mictório para servir de molde às suas criações de papel machê, facilmente removíveis, como os seus ladrilhos, de forma a não danificar o património arquitectónico. "Não pesam e por isso posso enganchá-los onde quiser."
A ideia é tudo menos danificar ou destruir ou maltratar a cidade. "Faço-o para defender este muro de 1500, este arco, esta cidade gótica. Temos que ver essa realidade e dizer que esses monumentos também são casas de banho públicas e que neste momento Barcelona está cheia de casas de banho públicas. Há muitos muros antigos que estão a ser usados como casas de banho."
Esta "corrente" obriga a "uma reflexão". "Como é que chegamos a este ponto? O tema tem que ser abordado de alguma maneira. Falamos com turistas e eles dizem 'sim, já percebi que Barcelona cheira a chichi' E isso a mim parte-me o coração. Quero que Barcelona, uma cidade muito poderosa que adoro, volte a brilhar."
Nas ruas, por estes dias, as pessoas têm felicitado Joan, artista de rua sem disfarce. "Porque todas as pessoas entendem o problema. As cidades têm cada vez mais turistas e não se conseguiu enfrentar o problema. As pessoas cheiram o problema. Veio um senhor e disse 'põe aqui na minha casa. Nasci neste edifício, vivi toda a minha vida em Barcelona, brinquei na rua e agora mete nojo, é um cheiro nauseabundo'. Com esta obra de arte ataquei um problema que o afecta no dia-a-dia."
A segunda fase do projecto Fora de Serviço pode chegar a qualquer canto malcheiroso do mundo no formato duas dimensões. Em breve, no site do artista, vai estar uma imagem de um mictório para ser descarregada, impressa, recortada e colada. "Queres ser um artista urbano reivindicativo? Através da arte, que é universal, todos podem ser activistas". Portugal não escapa. "Em Portugal há muitíssimos turistas e em muitos sítios existe o mesmo problema". Confirma-se.