Transformar granizo em água para proteger as vinhas do Douro

Radar, estações no terreno, balões, tochas e sais higroscópicos. Assim se vai desfazer o granizo em Alijó e Sabrosa – com o olho em todo o Douro. Projecto-piloto é apresentado hoje.

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O sistema assenta em estações no terreno, de onde são libertados balões meteorológicos que libertam sais que irão quebrar as pedras de gelo. DR
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Nos últimos dez anos, o granizo tem sido um flagelo para as culturas do Douro, especialmente as do vinho e do azeite. Em 2018, a ProDouro, Associação dos Viticultores Profissionais do Douro, encontrou parceiros técnicos e institucionais, foi ver o que faz o mundo para controlar os danos desta ameaça e chegou à conclusão de que há um sistema antigranizo com mais de 80 por cento de eficácia que consiste em transformar as pedras de gelo em água. O projecto-piloto, que abrange um triângulo territorial de 15 mil hectares (seis mil de vinha) entre Sabrosa, Alijó e Pinhão, tem um custo, para o primeiro ano, de 1,5 milhões de euros e é apresentado hoje na abertura da Feira dos Vinhos e Sabores dos Altos.

“Simplificando, o que aconteceu foi que em 2018 fomos à procura de métodos alternativos para prevenir o fenómeno do granizo, que, na região do Douro, está a aumentar de intensidade e de sazonalidade, acontece cada vez mais vezes. Nos últimos 10 ou 15 anos, houve um aumento significativo do número de episódios, especialmente este ano”, diz Rui Soares, presidente da direcção da ProDouro.

“Fomos ver o que existe por esse mundo fora na luta antigranizo. Sabíamos que havia as redes antigranizo já disponíveis na agricultura, com um resultado aceitável sobretudo na floricultura, apesar de o custo ser elevado, porque estamos a falar de equipamentos muito robustos para suportar o granizo muitas vezes violento”, enquadra.

“No vinho não é possível aplicar esta solução. Não podemos levantar e baixar as redes de cada vez que precisamos de chegar às plantas, que são demasiadas vezes, não só por falta de pessoal, mas porque não é exequível, além de se tornar demasiado oneroso”, prossegue Rui Soares.

“Nas nossas viagens de estudo, encontrámos soluções dos anos 1950, que consistiam em operações de alteração do tempo, ou seja, em perturbar a formação do granizo, para que, quando cai, caia em forma de água”, regista Rui Soares, acrescentando que estes sistemas começaram em França, através da parceria das empresas, produtores e a associação sem fins lucrativos ANELFA, que, após implementar este sistema em França, permitiu que a solução fosse levada para outras regiões da Europa, bem como para a América do Sul e África.

“O princípio básico é perturbar a formação das nuvens de granizo”, sublinha Rui Soares. “A tecnologia foi-se refinando e apurando”, prossegue, chegando ao epicentro do funcionamento desta solução para controlar os danos provocados pelo granizo, que destrói culturas e deixa danos nos terrenos de até quatro anos.

“Há uma componente importante que é a detecção, para prevenir o risco da queda de granizo. E só a informação do IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera], tal como o envio de um alerta amarelo, não é suficiente, porque quando surge, informando do risco de tempestade ou granizo, diz-nos apenas que será no Interior Norte, o que é demasiado vasto”, analisa.

“É aqui que a tecnologia precisa de ser apurada e refinada, para que se accione o sistema de forma eficaz”, alerta Rui Soares. “A tecnologia evoluiu a tal ponto que este sistema se baseia num radar meteorológico, colocado no centro da mancha de território a proteger. No radar, passam a ser seguidos um conjunto de dados como a velocidade e a direcção do vento, é feita uma avaliação sobre para onde vão as nuvens e se a sua densidade é alta, média ou baixa. Resumindo, ficamos a saber para onde vão as nuvens e qual será a severidade que o granizo poderá atingir.”

Embora evoluído tecnologicamente, é trata-se de um sistema bastante simples nos procedimentos. “Quando o alerta máximo é accionado, as estações, unidades físicas num local predefinido, libertarão um princípio activo para a atmosfera” – o princípio activo é libertado por sais higroscópicos, os mesmos que se usa para desfazer o gelo das estradas, por exemplo.

“É esta a matéria-prima que é libertada nas nuvens. Já foram usados foguetes no passado, abandonados devido aos riscos de incêndio e outros. Agora são balões meteorológicos. Aproveitando a época do ano, são uma espécie de balão de São João que leva os cartuchos com esses sais e os liberta a determinada altitude – com a diferença de pressão, rebentam e espalham os sais que vão partir as pedras de gelo”, conclui Rui Soares. “Vão transformar o estado sólido em estado líquido, ou, no mínimo, em pequeno granizo que não provoca dano nas culturas.”

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A intempérie que assolou Freixo de Numão (Foz Côa) no início desta semana dizimou parte da cultura de vinha deste território no Douro Superior. Miguel Pereira da Silva/Lusa

Sistema de controlo remoto

Este sistema é controlado de forma remota, através da internet. “Até há três anos, este sistema usava umas malas, tipo malas de viagem, com botijas de hélio facilmente transportáveis, e, da ligação da botija à mala libertava-se o balão para a atmosfera”, enquadra.

“Hoje em dia, são umas estações estáticas carregadas com balões e com as tochas dos sais minerais, e controladas remotamente, garantindo que a central vai libertar a quantidade necessária no momento ideal”, explica o presidente da ProDouro.

Em conclusão, este sistema antigranizo “não precisa de grandes recursos, apenas dos balões e dos sais. O que é mesmo crítico é o sistema de monitorização.” A eficácia é tanto melhor quanto mais precisos forem o sistema de detecção e a avaliação de risco. “Esta avaliação tem de ser muito bem feita, porque se o risco não for bem medido, o granizo cai e é tarde demais; se for demasiado cedo, as nuvens ainda não estão formadas e desperdiçam-se os sais”, aponta.

O projecto-piloto que é hoje apresentado em Alijó nasceu da necessidade de controlar os enormes prejuízos causados pelo granizo nas culturas e em bens, nas propriedades e em pessoas, algo que tem afectado severamente toda a região do Douro.

“Fizemos três viagens a França, a diferentes regiões vinícolas para falar com organizações de agricultores e decisores, e percebemos que sozinhos, enquanto associação, seria difícil implementar qualquer solução. Procurámos a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro para o apoio científico, para a validação do sistema, não só a avaliação crítica, mas, depois do funcionamento na monitorização, tivemos o interesse de empresas privadas e das adegas de Favaios e Sabrosa e também da ADVID [Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense], que tem os recursos humanos e técnicos e muita experiência no Douro. Depois, alinharam também as câmaras municipais de Sabrosa e de Alijó”, explica Rui Soares.

“Portanto, este já não é um projecto da ProDouro, mas do consórcio com o nome informal Comité de Combate ao Granizo. Estamos convencidos de que 2024 será o ano em que consigamos implementá-lo, até porque 2023 parece que nos está mesmo a mostrar a urgência da medida”, analisa.

“Tem sido um problema transversal ao Douro todo, causando prejuízos avultados, não só em 2023, mas também nos anos seguintes. A planta precisa de mais três ou quatro anos para recuperar completamente, consoante a intensidade do granizo”, lembra o presidente da ProDouro.

Custos e o Douro todo como meta

Por definir, neste momento, está a localização do centro de comando, onde serão analisados os dados do satélite e do radar e tomadas as decisões para actuar quando o granizo se tornar uma ameaça potencial.

“A localização ainda não está definida. O que definimos foi a mancha de território Alijó-Sabrosa-Pinhão e a posição do radar, bem como os postos de lançamento, até porque não é relevante o local do centro de comando, porque poderá estar em qualquer sítio”, esclarece Rui Soares.

Este projecto-piloto terá um custo a rondar 1,5 milhões de euros, factura mais alta por se tratar do arranque, que exige investimento em equipamento que os anos seguintes dispensam. “A ordem de grandeza do projecto é de cerca de 1,5 milhões de euros, mas o primeiro ano é o que custa mais, porque é preciso comprar todo o equipamento. Nos anos seguintes, os custos são os consumíveis: sais, balões, custos humanos. O investimento baixa significativamente”, explica.

“O sistema está desenhado para este triângulo de 15 mil hectares, com 6 mil de vinha. O nosso foco é a vinha, mas não estamos a proteger só a vinha, como todas as outras culturas, pessoas, propriedades e até veículos que são danificados pelo granizo. Falo mais da vinha porque, na região do Douro, a vinha é dominante”, vinca Rui Soares.

Para este ano, o foco está na implementação e afinação do sistema antigranizo no referido triângulo Sabrosa-Alijó-Pinhão, mas a ideia é atrair toda a região do Douro para o consórcio. “Começámos por aqui e, se vingar – e tem tudo para correr bem –, pode crescer. Pode expandir-se para Murça, Carrazeda de Ansiães, Vila Real, São João da Pesqueira, Tabuaço, só para referir alguns concelhos vizinhos que podem beneficiar do investimento inicial porque o radar já lá está e os custos de expansão são menores”, sublinha o presidente da ProDouro.

“A mensagem é para não olharem para este como um projecto de Alijó e Sabrosa, mas como um projecto para toda a região do Douro”, apela Rui Soares, lembrando que essa preocupação está desde o início no consórcio fundador, que quer um dia cobrir os 43 mil hectares de vinha do Douro – para já, os 6 mil hectares de cobertura do projecto-piloto equivalem a 15 por cento da área de vinha da região.

“Foi assim que aconteceu em Borgonha. A comunidade intermunicipal acabou por adoptar um sistema mais vasto e muito superior ao que estava previsto”, conclui.

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