BSports, portões fechados à chave e avaliações forçadas: “Achei tudo muito esquisito”

Antigo formador na Didáxis, em Riba d’Ave, ao abrigo do projecto desportivo que está sob investigação, garante que havia alunos a pedirem para voltar a casa.

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De cada vez que tinha de aceder à escola, Leonel (nome fictício) estranhava o ritual. O portão da cooperativa de ensino Didáxis, em Riba d’Ave, era aberto quando chegava e imediatamente fechado à chave assim que entrava no recinto. Um procedimento que nunca presenciara em mais de duas décadas de carreira como formador. “Uma vez, ouvi um comentário a dizer que havia alguns alunos que queriam fugir e achei tudo aquilo muito esquisito”. As notícias que têm vindo a lume por estes dias ajudaram-no a perceber melhor o que está em causa.

A freguesia famalicense de Riba d’Ave, e em particular a BSports Academy, tem estado no centro da actualidade pelas piores razões. Motivados por suspeitas do crime de tráfico de seres humanos, na segunda-feira vários elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) realizaram buscas tanto na academia de futebol, como na casa de Mário Costa, presidente da Assembleia Geral da Liga Portugal e um dos rostos do projecto de formação.

Na base desta investigação, está uma queixa feita junto das autoridades por uma entidade consular, depois de alguns pais de atletas terem tentado que os filhos regressassem a casa, tendo-se apercebido de que lhes tinham sido confiscados os documentos à chegada à academia. Pela BSports, de resto, têm passado jovens, entre os 13 e os 22 anos, de diferentes geografias, desde a Colômbia ao Peru, passando por Moçambique ou Guiné.

Leonel, responsável pela disciplina de informática, aceitou em 2021 o convite para leccionar na Didáxis, ao abrigo do projecto BSports, após sugestão de um amigo, mas desde cedo foi confrontado com situações anómalas. “Os miúdos chegavam numa carrinha, diziam-me que vinham de Paços de Ferreira, julgo eu, onde tinham um campo de treino. Mas vinham sem motivação nenhuma”, conta ao PÚBLICO.

Tal como sucedia com ele, também os alunos/atletas cumpriam apertadas regras de segurança. As portas da carrinha, por exemplo, só se abriam quando o portão da escola já estava devidamente fechado. “Quando eu terminava as aulas e queria ir embora, tinha de ir ao gabinete e pedir para sair. E então alguém ia abrir-me o portão”, acrescenta.

Sobre as aulas propriamente ditas, as dificuldades avolumavam-se. Ora por falta de meios (havia muitas vezes um só computador para vários alunos), ora por falta de estudantes, que compareciam de forma intermitente e com pouco interesse, o que tornava praticamente impossível um ensino de continuidade e um planeamento adequado. Havia dias em que contava com dois alunos, outros em que eram 15 totalmente diferentes.

No meio desta equação havia duas entidades distintas. A BSports, naturalmente, e o IFLOP (Instituto de Formação dos Países de Língua Oficial Portuguesa), com sede em Fafe, que tem como missão a promoção do ensino e qualificação dos cidadãos pertencentes à CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Mas mais do que um certo caos organizativo e o desencontro entre o que foi acordado e o efectivamente cumprido, o que mais o chocou foi a abordagem pedagógica.

Aquilo que apelida de “uma bandalheira total”. Entre a intermitência ou ausência de alunos, o desinteresse (alguns chegavam já cansados e muitas vezes atrasavam-se) e as dificuldades logísticas, não havia como proceder a uma avaliação séria das capacidades dos estudantes. Mas a pressão para “lançar as notas” era tremenda da parte da directora, que chegou mesmo a sugerir a classificação final para vários dos alunos. Um modus operandi que levou à ruptura e ao abandono de funções.

Da interacção que teve com os alunos, Leonel recorda alguma apatia, uma certa tristeza, pouco condizente com as ambições de quem vem para a Europa à procura do sonho de ser futebolista profissional. E ouviu por várias vezes desabafos sobre uma vontade expressa de regressar a casa, ao país de origem, que ficava à distância de um voo de longa duração que implicava a apresentação do passaporte.

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