Pelo fim dos telemóveis na escola

Alguns alunos são completamente dependentes dos smartphones com interferência séria no seu desenvolvimento social, emocional, psicológico, psiquiátrico e rendimento escolar.

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Max Fischer/Pexels
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E com a petição pública online intitulada "Viver o recreio escolar sem ecrãs de smartphones", pretende-se o fim da utilização dos smartphones pelos alunos. A criação de caixas ou utensílios similares para os alunos deixarem o seu smartphone quando chegam à escola e levarem no fim do dia, tem como objectivo a socialização face to face dos alunos.

Todos sabemos que muitos deles socializam através dos smartphones não só nas redes sociais, mas através de jogos em rede. Para os mais novos, refiro-me aos adolescentes, antevejo que se esta petição for aceite e as suas premissas forem integradas no Estatuto do Aluno será bastante difícil este processo de mudança, até porque sabemos como esta fase do desenvolvimento é desafiadora por natureza e como estes alunos fizeram anos importantes da sua escolaridade online, em casa, durante a pandemia, onde todos os instrumentos electrónicos foram muito incentivados. Muitos alunos não tinham computador ou tablet, mas tinham um smartphone por onde assistiam às aulas, faziam e submetiam os trabalhos e tudo o mais que lhes foi pedido.

Neste campo há outro target que merece alguma atenção e cuidado: os jovens adultos completamente viciados em jogos de computador e que põem toda a sua vida em causa: o trabalho, as relações amorosas, familiares e sociais. Os seus hobbies e a sua essência enquanto pessoa.

A minha experiência enquanto coach diz-me que algumas pessoas não se conseguem focar no trabalho e acabam por ter um desempenho aquém do esperado e tem consciência disso, algumas com fortes possibilidades de serem despedidas pois recebem continuamente feedback e avaliações negativas e tem consciência que o que deviam fazer era cortar com os jogos online. Algumas até já tentam pensar nas tarefas que têm para desenvolver profissionalmente como se fosse um jogo.

Não sabem o que querem, tem dificuldade em elaborar um plano de acção e planear o futuro mesmo que próximo, tem pouca ou nenhuma consciência dos riscos que correm se persistirem neste comportamento e tem muita dificuldade em tomar decisões. Tudo e o seu contrário pode ser bom. É deste tipo de contexto de futuro que temos que evitar que os nossos jovens se enredem.

Os processos de mudança eficazes requerem motivação, adaptação e sobretudo que a cabeça e o coração estejam alinhados. O que quero dizer é que os factos, estudos e suas conclusões, devem ser abraçados pelo coração daqueles que serão os protagonistas da mudança. Que as emoções que estão associadas ao uso dos smartphones nas escolas consigam ser postas em causa e construídas outras que esperam ser experimentadas pelos alunos. É preciso que os alunos percebam e interiorizem as perdas que estão a ter ou podem vir a ter e quais os ganhos em termos de amizades, brincadeiras e utilização do tempo de recreio de forma ainda mais fantástica!

É sabido que 70% das mudanças bem-intencionadas falham. E falham porque aqueles que serão os protagonistas ‘não têm tempo’, ‘não tem os recursos necessários’, ‘não percebem como se faz pela nova maneira’ e a ‘maneira antiga também funciona, para quê mudar?’, neste caso a socialização pelos telemóveis também funciona, não há assim tanta razão para mudar. Aquilo que está aqui em causa é só uma questão de socialização?

Alguns alunos são completamente dependentes dos smartphones com interferência séria no seu desenvolvimento social, emocional, psicológico, psiquiátrico e rendimento escolar. Para alguns a dependência é frenética e com muitas consequências nestas áreas. Outros conseguem, em alguma medida, equilibrar a utilização dos smartphones com o convívio com o seu grupo de amigos, com a família, o estudo, o descanso e o lazer.

Para aqueles que não o conseguem fazer e que transformam o recreio num espaço de utilização de smartphones, esta petição é mais do que bem bem-vinda. Faz-me lembrar as antigas salas de fumo nas escolas dos anos 70 e 80 do século passado. No colégio onde andei havia uma: as alunas do secundário se queriam fumar tinham de ir para a sala de fumo. Não era permitido em mais lado nenhum. Agora, o fumo é completamente proibido nas escolas e os smartphones apenas são permitidos nos recreios e por vezes, em algumas aulas. Sempre existiram aqueles que não fumavam e hoje existem aqueles que utilizam de forma mais ou menos aceitável os smartphones. Vale a pena cuidar e balizar esta utilização à conta daqueles que não o sabem fazer?

É preciso ter atenção às proibições: tudo quanto é proibido sem ser compreendido e aceite, é uma possível mudança falhada.

Àqueles que sabem dosear a tecnologia com a sua vida humanizada e natural, que se mantenham nesse caminho. Precisamos de pessoas conscientes capazes de ter critérios de razoabilidade e de serem capazes de tomar boas decisões para todos.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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