Tem crescido a olhos vistos o consumo de vinho espumante em Portugal, uma evolução que alinha com a tendência internacional mas que no nosso país parece assumir uma vertente duplamente significativa. Por um lado, o crescimento assenta cada vez mais na produção nacional, por outro, os espumantes de qualidade são os que mais avançam, o que faz com que sejam cada vez mais e melhores.
Os dados mais recentes do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) mostram que a comercialização de espumantes nacionais passou de 8,1 milhões de litros em 2014 para mais de 12 milhões em 2022, ao mesmo tempo que a venda de espumantes certificados mais do que duplicou, passando de 2,5 para 5,9 milhões de litros. Significativo é ainda que neste mesmo intervalo os espumantes e espumosos (apenas gasificados) importados de baixa qualidade (não certificados) caíram de 6,8 para 5,5 milhões de litros, o que significa que se vendem agora menos que os certificados da produção nacional, quando em 2014 representavam bem mais do dobro.
Um evidente reconhecimento pelo mercado da qualidade crescente dos espumantes nacionais, que tem ainda um valor reforçado já que, sendo as regiões da Bairrada e Távora-Varosa responsáveis pela larga maioria dos espumantes, em ambos os casos se exige a espumantização em garrafa, pelo método clássico, e um tempo mínimo de estágio antes da entrada no mercado para que possam obter a classificação DOP (Denominação de Origem Protegida).
O crescimento tem sido constante e reflecte também o prestígio e reconhecimento que é acompanhado pelo avanço dos preços. O presidente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) da Bairrada sublinha que este tem sido um crescimento “fora da grande distribuição”, suportado sobretudo pela procura na restauração, garrafeiras e lojas especializadas, notando que “são cada vez mais os produtores de referência, como a Quinta das Bágeiras, Quinta dos Abibes, ou Caves São Domingos, a lançar espumantes com estágios mais prolongados com preços acima dos 20 euros”.
Pedro Soares estima que no último ano a Bairrada certificou à volta de 3,3 milhões de garrafas de espumante (DOP e IG Beira Atlântica), ao que acresce a produção de mais cerca de três milhões não certificadas (selo IVV), que representam no conjunto a maioria do espumante que entrou no ano passado no mercado português, que calcula nos cerca de 11,5 milhões de garrafas.
Também em Távora-Varosa os ventos correm de feição, apontando os mesmos dados do IVV que a região representa já 35% da certificação nacional. Neste caso com posição reforçada nos espumantes de qualidade, já que não atribui IG mas apenas a classificação DOP. É por isso que José Fernandes Pereira, o presidente da região, calcula que com o crescimento de 40% registado no último ano Távora-Varosa tenha ultrapassado a Bairrada, tornando-se líder na certificação de espumantes DOP.
“A região está muito bem, no último ano certificámos à volta de três milhões de garrafas. Tem sido excelente e o preço médio também tem crescido de forma sustentada, situando-se agora entre os oito e nove euros”, descreve o homem que em 2021 sucedeu a Orlando Lourenço após três décadas de liderança da CVR. O crescimento tem sido em média superior a 10%, por enquanto suportado apenas em dois operadores – Caves da Murganheira e Cooperativa do Távora (Terras do Demo) – que representam mais de 93% dos espumantes certificados pelos sete produtores da região. Três outros estão já registados e com espumantes em cave, aos quais se devem juntar em breve mais outros sete que estão já a certificar vinhos e projectam entrar também na produção de espumantes.
O crescimento dos espumantes alastra também por todas as outras regiões. Os números indicam que o Tejo representa já 14% da certificação e os Vinhos Verdes cerca de 6,5%, enquanto outras regiões, como Dão, Lisboa, Alentejo e Península de Setúbal, alinham igualmente pelo padrão anual de crescimento. Em muitos casos alheias em grande parte à certificação ou com base na espumantização em cuba fechada, pelo método Charmat, que permite o engarrafamento de maiores volumes e em tempo reduzido com muito menor investimento. A qualidade, essa é que já não pode ser a mesma.
Exigência e conhecimento
Sendo os espumantes a área da produção de vinhos mais exigente, aquela que requer mais conhecimento, tempo e condições naturais, não espanta que seja na Bairrada e em Távora-Varosa que tenham sido cavadas as maiores extensões de caves subterrâneas para o estágio – fundamentais para a estabilidade das temperaturas –, bem como que em ambas a regiões o apoio de especialistas de Champanhe tenha sido fundamental no início da produção.
Quando, em 1890, José Maria Tavares da Silva decidiu avançar, em Anadia, com a Escola Prática de Viticultura e Pomologia com vista à produção e espumantes, tinha acumulado já vasto conhecimento, sendo que também as primeiras empresas que logo surgiram na Bairrada procuraram apoiar-se em especialistas vindos de Champanhe.
No caso da Murganheira, que nasceu em finais de década de 40 do século passado, o arranque contou mesmo com um especialista enviado pela Moët & Chandon. Foi no contexto de uma feira têxtil no Porto que um dos representantes da luxuosa Louis Vuitton – já então dona da Moët – provou os vinhos da Murganheira, tendo logo sugerido ao proprietário – Acácio Laranjo, organizador da feira – que seriam apropriados para a produção de espumantes. Como faltava conhecimento, prontificou-se a enviar um especialista e o resto é a história que se conhece.
Ousadia e conhecimento estiveram igualmente na base da criação dos espumantes Vértice, uma espécie de ilha que produz 150 mil garrafas num mar de mais de 200 mil pipas de vinho que é a produção do Douro. Um projecto a cujo sucesso e crescimento não resistiu um gigante do sector dos vinhos como o grupo Symington, que recentemente adquiriu metade do capital da empresa, através de uma operação de aumento de capital.
“Começámos por estudar as castas que seriam mais aptas para a produção de espumantes. Começámos com 250, depois passámos para 25 e acabámos com quatro e levámos sete anos até criar o primeiro vinho. Começámos em 1982, fizemos o primeiro vinho em 1989 e foi lançado em 1991. Naquela altura ninguém imaginava o que seria o planalto de Alijó, um território fantástico, com grandes amplitudes térmicas e solos graníticos de transição que dão grande frescura aos vinhos”, descreve Celso Pereira, o enólogo e fundador do projecto, vincando que, além do conhecimento, o tempo é outra das vertentes fundamentais para o sucesso. “No vinho tudo tem que ter tempo, o tempo é a chave que responde à qualidade.”
Logo no lançamento, o primeiro espumante tinha três anos de estágio; hoje lança vinhos acima dos 50€ e tem até um com 17 meses de estágio – o Vértice RD (Recente Degorjado) – que chega ao mercado a mais de 150€, de que foram já lançadas as edições de 2000 e 2007.
Além do tempo e conhecimento, Celso Pereira destaca também a inovação como factor determinante para a qualidade. Enumera os estudos com fermentações longas e com vedantes em cortiça, as fermentações em barricas velhas ou as recentes técnicas de pointage, que consiste no envolvimento das borras que é feito garrafa a garrafa durante os quatro anos de estágio. O objectivo imediato passa por atingir a produção anual de 600 a 700 mil garrafas.