Tribunais: ministra disponível para mudar novo sistema de sorteio de processos, mas não já
Associação Sindical dos Juízes disse que a ministra da Justiça manifestou disponibilidade para rever a lei de distribuição processual, mas só na altura em que for feita a avaliação independente.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Ramos Soares, afirma que a nova lei de distribuição electrónica dos processos está a causar “muitos constrangimentos nos tribunais” e deu conta disso mesmo à ministra da Justiça, numa reunião que teve lugar esta segunda-feira.
Manuel Ramos Soares disse ao PÚBLICO que a ministra se mostrou disponível para alterar a lei, intenção que já tinha manifestado, na última sexta-feira, quando se reuniu com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
Porém, segundo o presidente da ASJP, “a ministra lembrou que está previsto que a aplicação prática da portaria seja objecto de uma avaliação por uma entidade independente e que se pode aproveitar essa oportunidade para rever a lei e fazer correcções”.
De acordo com a portaria, a aplicação prática do novo regime será "objecto de avaliação por uma entidade independente, após o decurso de seis meses a contar da disponibilização de novas funcionalidades "que permitam praticar, ou agilizar a prática, de actos como a elaboração da acta que documenta as operações de distribuição".
A mesma portaria estabelece um prazo de quatro meses, a contar da data da sua entrada em vigor, para que essas funcionalidades sejam progressivamente disponibilizadas. A portaria foi publicada a 23 de Março de 2023 e entrou em vigor a 11 de Maio.
Este novo sistema de sorteio obriga, por exemplo, à presença de três pessoas no acto da distribuição: um oficial de justiça, um procurador e um juiz. Os advogados poderão assistir, mas apenas se assim entenderem.
Esta obrigatoriedade de disponibilidade de recursos humanos, já de si escassos, tem sido um dos motivos de contestação à nova lei por parte dos vários intervenientes.
O presidente da ASJP recordou o que escreveu no artigo de opinião, publicado no PÚBLICO, com o título “A irresponsabilidade em todo o seu esplendor”. Nesse artigo, Ramos Soares explicou que, “aplicando os novos critérios, somando todos os tribunais e núcleos das duas jurisdições, o que o 'brilhante' legislador determinou foi que haja uma distribuição diária (sem contar com as urgentes, às dezenas, a qualquer hora) em 237 unidades orgânicas”.
Ora, feitas as contas e segundo o magistrado, "nos 250 dias úteis do ano, uma vez que é obrigatória a presença do oficial de justiça, do juiz e do procurador (os advogados podem ir mas já disseram que têm mais que fazer), demorando cada distribuição, em média, uma hora (com preparativos e deslocação, menos não será), ao fim de cada ano teremos um desperdício de 64 mil horas de trabalho de magistrados, para além dos gastos com deslocações”.
“Uma perda de tempo”
Para Ramos Soares, este sistema mais não é do que “uma perda de tempo”, uma vez que, na sua opinião, “a transparência pode muito bem ser assegurada com o acesso ao algoritmo, ao sistema, e às actas de distribuição”.
“A transparência não se assegura com a presença de pessoas”, sustentou o magistrado, que, mesmo com a garantia da ministra, manifestou a preocupação com os efeitos que a lei vai ter nos tribunais durante o tempo em que estiver em vigor tal como está.
O novo sistema de sorteio também já foi alvo de críticas por parte do Conselho Superior da Magistratura (CSM), que antevia os problemas já enunciados.
No discurso da sua tomada de posse, o novo vice-presidente do CSM, Luís Azevedo Mendes, apelidou o novo sistema de ineficiente e despesista. Pior: afectará negativamente a tramitação processual, “gerando muitos atrasos”, anteviu o magistrado, lamentando que esta, como outras competências, não tenha sido entregue ao organismo que passou a dirigir, em vez de ter sido alvo de uma lei feita pela tutela cuja implementação “fere a boa razão do uso dos meios”.
Aliás, o PÚBLICO sabe que os presidentes das comarcas aproveitaram o encontro com o vice-presidente do CSM, que teve lugar em Alcácer do Sal no dia 2 de Junho, para se queixarem deste e de outros assuntos, nomeadamente das más condições físicas dos edifícios, do policiamento nos tribunais, da redução prevista no número de juízes em efectividade de funções nos próximos anos e do cada vez menor número de funcionários, assim como da autonomia administrativa e financeira das comarcas.