Esquizofrenia: é possível ter uma vida?

Erradamente, para a população, a expressão “doente mental” descreve pessoas violentas e descontroladas. Ao mesmo tempo, a OMS mostra que 450 milhões sofrem de problemas mentais.

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DR/Camila Quintero Franco via Unsplash
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A esquizofrenia é uma patologia mental complexa, crónica e grave que afeta cerca de 24 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, existem cerca de 48 mil doentes.

Tem um leque polimorfo de sintomatologia, que inclui sintomas positivos, como as alucinações (frequentemente auditivas) e delírios (convicções absolutas em factos não verdadeiros); sintomas negativos, como a diminuição da vontade e da iniciativa; sintomas cognitivos, também frequentemente presentes com dificuldades em concentrar-se e em conseguir rendimento cognitivo.

Um facto curioso: no século XIX, nomes importantes da história da psiquiatria deram-lhe a designação de dementia praecox, porque levava jovens a ter níveis de funcionalidade, que, à data (ainda sem qualquer tratamento farmacológico), se assemelhavam às de idosos com demência. Como noutras doenças crónicas, muitas vezes existem sintomas da linha afetiva, como a tristeza e depressão; cerca de 10%, infelizmente, suicidam-se.

Trata-se de uma doença multifatorial onde diferentes fatores influenciam de maneira variável; destaque para substâncias que funcionam como gatilho para desencadear a sintomatologia. Cannabis e alucinogénios consumidos por pacientes com outras psicoses aumentam a transição para a esquizofrenia, com todas as consequências que daí advêm.

Muito preocupantes são também os dados que referem que, em Portugal, perto de oito mil doentes não são acompanhados regularmente. Um dos mais importantes aspetos de agravamento do prognóstico é a duração temporal de doença não tratada, ou seja, quanto mais tempo estiver sem tratamento, mais difícil será a recuperação e pior o seu prognóstico.

Sobre o tratamento, não esquecer que o primeiro fármaco antipsicótico surgiu em 1940-50 e representou um marco histórico. Desde então, surgiram muitos outros que têm vindo a traçar um processo evolutivo, desde os mais antigos, com mais efeitos secundários, até aos mais recentes, com muito menos efeitos indesejáveis (nomeadamente a nível sexual e metabólico). As novas opções terapêuticas têm evidente benefício na prevenção das recaídas, na redução do número e da duração dos reinternamentos e globalmente são mais seguras.

As recaídas têm uma maior probabilidade de acontecer quando os medicamentos são tomados irregularmente e, aqui, os fármacos injetáveis de longa duração têm um papel muito relevante ao garantir o cumprimento do plano prescrito. Falamos de fármacos antipsicóticos, de administração intramuscular, com periodicidade quinzenal, mensal e trimestral, o que também facilita muito a vida dos cuidadores. Sabemos que a toma diária de medicação oral é um rápido motivo de descontinuação.

Em Portugal, estima-se um impacto económico direto de 96 milhões de euros/ano e indireto de 340 milhões de euros, 80% não têm emprego e, destes, 70% dependem financeiramente de familiares. Quanto menor a adesão à terapêutica, menor a capacidade de recuperação e maiores estes custos.

Erradamente, para a população, a expressão “doente mental” descreve pessoas violentas e descontroladas. Ao mesmo tempo, a OMS mostra que 450 milhões sofrem de problemas mentais. Com estes dados a conclusão é simples: muitas pessoas sofrem caladas, por medo ou vergonha de procurar ajuda. Esta doença está ainda, infelizmente, associada a muitos mitos, e este estigma continua a ser um dos principais obstáculos. Sabemos que sofrem diariamente de discriminação, de várias proveniências, o que, de várias formas, dificulta em grande parte a recuperação.

As doenças mentais devem ser encaradas do mesmo modo que as outras doenças: requerem cuidados e tratamentos, que quando prestados, fazem esperar um nível de recuperação que permita reingressar na vida familiar e social ativa, permitindo cursos tão normais e produtivos quanto possível. O processo de recuperação centra-se em ajudar os pacientes a viver em pleno nas suas comunidades, com as limitações induzidas pela doença. A sociedade em geral tem ainda muito para evoluir, aumentando a sua contribuição para a integração plena destes pacientes.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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