Presos à voz encantada de Adriana Calcanhotto chegámos ao final dos três dias do Vinho da Casa, não é qualquer vinho, não é qualquer casa, primeira edição de um evento organizado pelo PÚBLICO e pela Out of Paper, que reuniu vinte dos mais importantes produtores de vinho portugueses na casa Indulgent, na Foz, Porto.
O concerto final, no domingo, dia 21, teve tanto de música como de histórias – como a da participação de uma jovem Adriana Calcanhotto num concerto de Rita Lee, no qual tinha de chegar à frente do palco e abrir uma capa, mostrando o corpo nu à plateia. A cantora contou-a com uma graça que conquistou os visitantes reunidos, ao final da noite, no salão de entrada, onde, durante a tarde, vários produtores tinham dado a provar vinhos raros, especiais e icónicos.
Os três dias foram de surpresas, revelações e descobertas. Até o master of wine britânico Peter Richards, que deu, no domingo, uma das três masterclasses do evento, confessava que estava ainda a aprender muito sobre os vinhos tintos que apresentou – uma selecção especial de alguns dos maiores tintos de Portugal, acompanhada pelas explicações dos homens e mulheres que os fazem.
Falou do “carácter não conformista" destes vinhos, elogiou a sua elegância e o seu lado gastronómico, perguntou se a existência de tantas castas em Portugal era “uma força ou uma fraqueza”, ouviu atentamente os enólogos contarem as suas histórias, das vinhas de pé franco (modelo anterior à devastação causada nas videiras pela filoxera e que obrigou à adopção do enxerto em vinhas americanas) de Luís Pato às características das vinhas velhas do Douro, descritas por Sandra Tavares da Silva, da Wine&Soul.
Durante as três tardes do Vinho da Casa foram muitas as histórias que os produtores tiveram oportunidade de contar – Luís Pato e a filha Maria João, na cozinha, a parte da casa que lhes coube, enquanto Dirk Niepoort e Anselmo Mendes dividiram o quarto, no primeiro andar e os outros se espalhavam pelo salão e jardim. Aliás, a mesma dupla, Dirk e Anselmo, juntou-se no domingo para um showcooking, no qual o primeiro fez uma carne com borras de vinho do Porto enquanto o segundo cantava a Romaria, de Elis Regina, e arriscava no fado.
A organizadora do evento, Simone Duarte, da Out of Paper, explicou que o objectivo foi mesmo desviar os produtores do seu papel habitual que é o de falarem apenas dos seus vinhos e levá-los a revelar um pouco mais de si mesmos, as suas paixões, os seus passatempos. Luís Pato e Maria João Pato, por exemplo, explicaram como se desenha um vinho, neste caso os vinhos únicos que o produtor da Bairrada fez para os seus vários netos.
E houve revelações: quem diria que Pedro Baptista, o enólogo que faz o Pêra-Manca, e Luís Sottomayor, o responsável pelo Barca Velha, cozinhavam bem em conjunto? Sob o olhar atento do público, os dois deram provas de grande sangue-frio, levando até bom porto aquilo a que se tinham proposto: Pedro Baptista apresentou umas migas com carne de alguidar e Luís Sottomayor um arroz com couves e enchidos.
Ainda no departamento dos produtores que se revelaram, Carlos Agrellos deu um concerto, no sábado à noite, acompanhado por Paulo Amado, que foi um dos momentos mais aplaudidos de todo o evento.
Houve ainda outras duas masterclasses, a primeira, na sexta-feira, o dia inicial do evento, dirigida pelo crítico e director do PÚBLICO, Manuel Carvalho, sobre vinho do Porto, igualmente na presença dos produtores cujos vinhos foram seleccionados para a prova – e que teve como ponto alto a abertura de uma garrafa de um vinho de 1888, um António Bernardo Ferreira, da Quinta do Vallado.
A segunda, no sábado, foi dirigida por outro master of wine, o brasileiro Dirceu Vianna Júnior. “Esta prova foi para tentar partilhar com as pessoas que os vinhos brancos podem ser grandes vinhos”, explicou no final. “São vinhos frequentemente subestimados, e o que eu queria era um pouco quebrar esse paradigma. Contei várias histórias falando de vinhos brancos do mundo todo e depois enquadrei Portugal. Degustámos vinhos portugueses que surpreenderam as pessoas, que têm grande longevidade, que têm envelhecido muito bem, que podem remeter a esse sentido de origem, perceber-se que este vinho vem de tal lugar e tal região. São poucos os vinhos que conseguem isso, os grandes vinhos de França podem, mas hoje muitos vinhos portugueses também podem fazer isso.”
E se os amadores tiveram o seu espaço a cozinhar e a cantar, houve também lugar para os profissionais: para além de Adriana Calcanhotto, a programação incluiu um concerto, no primeiro dia, com a fadista Cuca Roseta; e na cozinha, nos três dias, os visitantes da casa Indulgent provaram, num jantar volante, uma série de snacks e minipratos criados especialmente para o evento pelo chef Vasco Coelho Santos, do Euskalduna Studio, no Porto (uma estrela Michelin).
O Vinho da Casa, não é qualquer vinho, não é qualquer casa tem o patrocínio da Haier, DIAM e Maserati; apoio da Câmara Municipal do Porto e ViniPortugal, a loja oficial é a Garage Wines, o copo oficial é Riedel, o café é o Delta Q e o hotel oficial o Porto, The Editory Collection Hotels. Os organizadores já prometeram o regresso do evento em 2024.