Um duelo sem disparos
O que se esperaria que fosse um confronto fatal transforma-se numa oportunidade para encontrar a paz.
Rodin Rostov ofendeu alguém de forma irremediável. Assim se é levado a pensar no início do livro O Duelo.
“Parece que ainda o consigo ouvir, palavra por palavra, tintim por tintim. As suas ofensas feriram-me as orelhas, os tímpanos, o coração, e coisas ainda mais internas que não aparecem em nenhum livro de anatomia.”
Inicia-se a contagem dos passos para que o duelo se realize: um, dois, três… E o leitor acompanha um dos desavindos, que continua a caminhar em frente, sem nunca se deter ou virar no sentido contrário.
“Talvez pense que fugi, que me acanhei, mas para onde poderia eu ir? Ou talvez pense que me perdi, mas como me poderia eu perder, se nada mais fiz do que andar em frente?”
Enquanto avançava, o homem pensava sempre no outro e o seu propósito “ia-se dissolvendo pelo caminho”.
Depois de muito andar e de muito descobrir, envia uma carta a Rodin Rostov: “Meu amigo, meu companheiro, largue as armas e venha de uma vez visitar-me.”
Um livro que convida a reflectir sobre o absurdo dos conflitos, das guerras, das disputas e que valoriza a vida e o perdão.
Como bem descreveu o professor especialista em Literatura para a Infância e Juventude Rui Marques Veloso enquanto jurado do Observatório de Leitura de Pombal, que atribuiu a O Duelo o Selo Distinção Caminhos de Leitura: “Andando, andando, percebe que os sons da vida, as cores do mundo, a beleza das estrelas, o calor humano são muito mais importantes — daí o salto para um outro plano —, um convite para uma visita.”
As ilustrações começam por ser tristes, em cores outonais, com poucos elementos, mas à medida que o leitor avança nas páginas e a personagem no caminho, as cores vão ficando mais alegres, garridas mesmo.
Também os cenários se vão engrandecendo e os pormenores aumentando. Como se o protagonista se descentrasse de si próprio e alargasse os horizontes, tomando consciência de que o duelo, qualquer duelo, é um absurdo.
Diz ainda o professor aposentado da Escola Superior de Educação de Coimbra: “O trabalho de ilustração é rigoroso e sugestivo, dizendo tanto ou mais que as palavras do texto. A dinâmica da capa (ora aberta, ora fechada) sugere a subversão dos códigos do duelo, recusando a fuga cobarde, mas afirmando a coragem da defesa dos valores ligados à vida. Neste livro, há que sublinhar a profusão sábia de ilustrações, que passam da sobriedade dorida a uma explosão de cor e plenitude. (...) Há um diálogo marcante entre um texto enxuto e uma representação plástica inteligente que obriga o leitor a saborear cada momento de fruição desta obra.” Tudo verdade.
As guardas do livro “fingem” ser um envelope e antes da última página há um conjunto de selos de correio com um destinatário e uma morada singular: “Rodin Rostov; Muito longe e muito frio, n.º17.”
Inês Viegas Oliveira nasceu em Tavira, em 1995. No site da editora, informa-se: “Numa tentativa de saber tudo, licenciou-se em Física, e após meio mestrado em Matemática percebeu que, no fundo, não sabia nada. Fez depois uma pós-graduação em ilustração na Universidade Autónoma de Lisboa que a deixou mais descansada.”
Já viu os seus trabalhos seleccionados três vezes para a Exposição de Ilustradores da Feira do Livro Infantil de Bolonha e criou este livro no âmbito do projecto europeu Every Story Matters, que tem como objectivo incentivar obras que promovam a inclusão.
“Move-se entre ciência e arte, autor e leitor, imagem e palavra, tentando romper algumas fronteiras. Continua a fazer muitas perguntas mas de vez em quando faz um intervalo para escrever ou desenhar.”
Espera certamente, tal como nós, que Rodin Rostov esteja atento ao carteiro.