MP recorre da decisão do Constitucional que considera que proxenetismo não é crime

É a segunda vez em dois anos e meio que o plenário dos juízes do Palácio Ratton é chamado a apreciar o lenocínio. Em causa está a penalização dos casos em que não há violência nem coacção.

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Paulo Pimenta
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O Ministério Público recorreu da mais recente decisão do Tribunal Constitucional sobre o proxenetismo, que considera que esta actividade não deve ser considerada crime nas situações em que a prostituição é exercida de livre vontade, sem coacção.

A notícia foi avançada pela Rádio Renascença e confirmada pelo PÚBLICO junto da Procuradoria-Geral da República, que explica que, perante as divergências que os conselheiros do Palácio Ratton têm manifestado sobre o lenocínio, o Ministério Público resolveu pedir ao plenário do tribunal para se pronunciar de forma definitiva.

É a segunda vez em dois anos e meio que o plenário composto pelos 13 juízes do Constitucional é chamado a decidir sobre a matéria. Em Janeiro de 2021, os conselheiros decidiram, por uma maioria de oito votos contra cinco, que era conforme à Constituição punir com cadeia quem se dedicasse a gerir negócios de prostituição, mesmo que não explorasse os trabalhadores sexuais nem os maltratasse.

Porém, no mês passado, parte dos juízes que tinham votado vencidos nessa altura aprovou um novo acórdão que diz precisamente o contrário: que o crime de lenocínio é inconstitucional quando as condutas praticadas não envolvem violência nem coacção. Um deles é o novo vice-presidente do tribunal, Gonçalo Almeida Ribeiro. Estes conselheiros escrevem que "a decisão de uma pessoa se prostituir pode constituir uma expressão plena da sua liberdade sexual”. E defendem ser inconstitucional punir com cadeia quem lucra com a prostituição alheia praticada de livre vontade.

Em causa está a associação recorrente entre proxenetismo e violação da liberdade sexual: a lei presume que quem vende serviços sexuais o faz sob alguma forma de coacção, razão pela qual a melhor forma de evitar esse risco é punir à partida quem gere este tipo de negócio — independentemente de esta actividade ser ou não exercida de forma livre e esclarecida. Nem sempre foi assim: a redacção legal do crime que existia até 1998 fazia depender a condenação dos proxenetas de ficar provado estarem a explorar situações de abandono ou necessidade económica das suas vítimas.

O caso sobre o qual os conselheiros do Constitucional se pronunciaram no mês passado diz respeito a um bar de alterne com quartos no primeiro andar que funcionava numa localidade do concelho de Valpaços em 2016, e que foi alvo de uma rusga do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. As dez mulheres que trabalhavam no Dancing Show explicariam mais tarde, no Tribunal de Vila Real, que ganhavam à comissão pelas bebidas que os clientes pediam. Quanto aos serviços sexuais, custavam 40 euros cada, dez dos quais revertiam para o casal que geria a casa.

Apesar de nesta altura, no Verão de 2022, o plenário do Tribunal Constitucional já se ter pronunciado pela manutenção do crime no Código Penal — com cinco dos conselheiros a votarem, porém, vencidos —, a juíza de Vila Real encarregada de analisar o caso recusou-se a condenar o casal, tendo invocado na sua sentença a posição de um antigo presidente do Palácio Ratton, Costa Andrade, segundo o qual incriminar proxenetas que não violaram a liberdade sexual de ninguém constitui “um exercício de moralismo atávico”, impensável numa sociedade secularizada e democrática.

Até hoje, esta sempre foi uma posição minoritária no Constitucional: nas várias vezes que o tribunal se pronunciou sobre o assunto, venceu quase sempre a posição de manter o crime em vigor mesmo das situações que não envolvem violência nem coacção, no pressuposto de que esses são casos raros.

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