Reino Unido: excepcionais por um dia

Por um dia, o mundo deixará os britânicos serem globais e entrega-se, tal como Nick Cave escreveu, ao explicar a sua ida à cerimónia, a uma “ligação emocional inexplicável com a realeza”.

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Se alguém quiser uma visita guiada aos danos que o populismo pode causar numa sociedade ocidental, uma viagem ao Reino Unido pode ser pedagógica. As promessas fáceis dos defensores do "Brexit", que prometiam amanhãs canoros logo que a ilha se libertasse do “jugo” de Bruxelas, revelaram-se isso mesmo: muito fáceis de fazer, muito difíceis, impossíveis mesmo, de concretizar.

A realidade do "Brexit" é que a prometida prosperidade se terá traduzido, por exemplo, numa perda de 29 mil milhões de investimentos em negócios, desde 2016; na maior taxa de inflação da Europa Ocidental, neste momento; e nas duras palavras do chefe economista do Banco de Inglaterra, proferidas no mês passado: os ingleses “têm de aceitar” o facto de estarem mais pobres.

Para quem defendeu que a solução para o país era a separação do maior mercado dos britânicos, a UE, a pandemia e a guerra é que são os culpados pelos péssimos resultados económicos. Um argumento que se vai esvaindo, conforme o resto da Europa mostra os sinais de recuperação que o Reino Unido não vislumbra.

Os antigos impérios têm uma inclinação para se considerarem “excepcionais” em relação ao resto do mundo, mesmo quando esses tempos já passaram há muito. Os “brexiteers” souberam explorar esse sentimento, fazendo muitos acreditar no sonho da Global Britain, quando aquilo de que o Reino Unido necessita é um banho de realidade que o faça perceber que algumas das excepcionalidades de que se orgulha impedem a “mais antiga democracia” de evoluir.

Se olharmos para a qualidade dos dois anteriores primeiros-ministros, para a capacidade de um punhado de deputados poderem escolher líderes como Liz Truss ou Jeremy Corbyn, para a discricionariedade das nomeações para a Câmara dos Lordes e uma série de escândalos que envolvem parlamentares, é caso para questionar se o Reino Unido não necessita de ponderar uma reforma constitucional.

Claro que não haverá maior excepcionalidade do que o peso que a monarquia continua a ter na sociedade britânica, e hoje, dia de coroação, é o momento perfeito para testemunharmos isso. Também chegará a altura para os britânicos lidarem com isso, numa sociedade que cada vez menos se revê nas cabeças coroadas.

Mas, por um dia, o mundo deixará os britânicos serem globais e entrega-se, tal como o insuspeito cantor Nick Cave escreveu, ao explicar a sua ida à cerimónia, a uma “ligação emocional inexplicável com a realeza — a estranheza deles, a natureza profundamente excêntrica de todo o caso, que reflecte tão perfeitamente a estranheza única da própria Grã-Bretanha”.

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