Situação no Sudão em vias de se tornar uma “catástrofe em larga escala”

Desde que começaram os combates, há quase três semanas, que mais de cem mil pessoas fugiram do Sudão, segundo as Nações Unidas. Líderes militares chegaram a acordo para novo cessar-fogo.

Foto
Cartum, a capital do Sudão, tem sido o epicentro dos combates Reuters/SOCIAL MEDIA

Mais de cem mil pessoas fugiram do Sudão desde que começaram os confrontos entre o Exército e um grupo paramilitar, há cerca de três semanas, que está a deixar o país africano à beira de uma guerra civil.

O fluxo incessante de pessoas para os países vizinhos está a criar uma catástrofe humanitária, segundo a avaliação das Nações Unidas, que divulgou as estatísticas do número de refugiados nesta terça-feira. Para além dos cem mil que abandonaram o Sudão, há ainda cerca de 334 mil pessoas deslocadas noutras regiões do país, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações.

A situação em países como o Chade, que já tinha recebido mais de 400 mil sudaneses forçados a fugir das suas casas por causa de conflitos anteriores, está a deteriorar-se com a chegada de milhares de pessoas nas últimas semanas. Nos primeiros dias do conflito, a maioria dos cidadãos de países europeus conseguiu ser retirada em segurança em operações de evacuação organizadas pelos respectivos governos.

O coordenador de Assuntos Humanitários da ONU, Martin Griffiths, que planeia visitar o Sudão nos próximos dias, avisou que a situação no país está perto do “ponto de ruptura”. Os hospitais de Cartum, a capital e o epicentro dos combates, têm sido atingidos e enfrentam enormes dificuldades em manter o funcionamento mínimo, tanto por causa da violência como pela escassez de medicamentos e outros produtos essenciais.

“Até agora, houve cerca de 26 ataques reportados contra instalações clínicas”, disse à BBC o director regional da Organização Mundial de Saúde, Ahmed al-Mandhari, sublinhando que nesses ataques morreram profissionais de saúde. “Alguns destes hospitais estão a ser usados como bases militares e os funcionários e utentes foram expulsos das instalações”, acrescentou o responsável.

Um pouco por toda a cidade, os habitantes relatam sofrer com a falta de água canalizada em suas casas, electricidade e comida. O Programa Alimentar Mundial da ONU suspendeu as suas actividades no Sudão após a morte de três funcionários nos primeiros dias de confrontos, mas revelou que pretende retomar as operações em algumas regiões menos afectadas pelo conflito.

“O risco é de que isto não seja apenas uma crise no Sudão, mas que venha a ser uma crise regional”, afirmou o director da agência de ajuda alimentar das Nações Unidas para o Leste de África, Michael Dunford, citado pela Reuters.

Ainda antes do início dos combates, cerca de 16 milhões de pessoas — aproximadamente um terço da população total do Sudão — já se encontravam dependentes de ajuda humanitária e o conflito deverá agravar ainda mais essa situação.

O chefe da equipa das Nações Unidas no Sudão, Abdou Dieng, avisava nesta terça-feira que a crise humanitária aprofundada com os combates das últimas semanas arrisca transformar-se numa “catástrofe em larga escala”.

O conflito em curso é apenas mais um episódio na turbulenta história recente do Sudão, um país que foi palco de dois golpes de Estado nos últimos quatro anos e que agora está prestes a ser tomado por uma guerra civil. Os combates têm sido travados entre o Exército, liderado pelo general Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla inglesa), chefiadas pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido por Hemedti.

Os dois chefes militares eram aliados até há pouco tempo e estiveram do mesmo lado quando o antigo Presidente sudanês, Omar al-Bashir, foi derrubado, em 2019, num golpe militar que pôs fim a três décadas de ditadura. Dois anos depois, os militares afastaram o governo interino civil que estava a lançar as bases para uma transição democrática.

Ao fim de vários meses de tensão por causa de desentendimentos acerca das condições para a integração das RSF nas forças regulares do Exército, os dois grupos voltaram a pegar nas armas e combatem entre si desde 15 de Abril.

Há poucos sinais de que estejam reunidas as condições para que o Exército e o grupo paramilitar se sentem à mesa das negociações e têm sido constantes as violações de acordos de cessar-fogo. Nesta terça-feira, foi fechado mais um entendimento para que os combates sejam suspensos durante sete dias, a partir de quinta-feira, mas permanecem muitas dúvidas sobre se os dois lados irão conseguir respeitar o acordo.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários