Porque é que a licença menstrual pode ser má para as mulheres

Algumas medidas relacionadas com a licença menstrual para as mulheres podem esconder de forma indirecta questões relacionadas com a desigualdade de género.

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As políticas de licença menstrual mantêm a menstruação em casa, onde os empregadores não têm de lidar com ela CAROL YEPES/ Getty images

Espanha adoptou recentemente uma política de licença menstrual que prevê dias adicionais (remunerados ou não) de ausência do trabalho para "todas as mulheres cisgénero".

É óptimo que estejamos a ter mais conversas públicas sobre a saúde menstrual e a menopausa, mas estou a ficar muito cansada de ouvir dizer que a licença menstrual é a solução.

Como pessoa com formação em avaliação de políticas e fundadora do primeiro site do mundo sobre saúde menstrual baseado em evidências, estou numa posição privilegiada para comentar este assunto. Quando avaliei as políticas de licença menstrual existentes em todo o mundo, descobri que não eram progressivas ou benéficas para a saúde reprodutiva feminina ou para a igualdade de género.

O que se passa é que é muito difícil argumentar contra algo que soa bem, mesmo que as provas disponíveis sugiram o contrário. Os seres humanos parecem não ser muito bons a ir além dos próprios pensamentos superficiais e podemos até preferir histórias que se alinham com os estereótipos de género em vez de os desafiarem.

Por isso, aqui fica uma breve descrição do que penso que deve saber sobre esta política.

Qual é o problema?

São quatro os principais argumentos utilizados pelos promotores da política de licença menstrual:

  1. Tornará o local de trabalho adequado ao corpo feminino menstruado;
  2. Melhora a saúde menstrual;
  3. Reduzirá a vergonha e o estigma da menstruação, bem como a discriminação que lhes está associada;
  4. Melhorará a igualdade de género no local de trabalho e não só.

No entanto, nunca foi esclarecido exactamente como é que a política irá produzir estes resultados. De facto, com base no que sabemos sobre as políticas de licença menstrual existentes, pode não contribuir para nenhum deles.

Por exemplo, a política não facilita a gestão da menstruação no trabalho porque a entidade patronal não tem de mudar nada. Em vez disso, é encorajada a manter-se afastada do local de trabalho.

Esta política também não contribui em nada para melhorar a saúde menstrual. 90% das pessoas que menstruam e não apresentam regularmente sintomas graves não precisam de faltar um dia inteiro ao trabalho durante o período menstrual.

Entretanto, a minoria que apresenta regularmente sintomas graves tem quase sempre um problema de saúde subjacente, como endometriose, hemorragia menstrual intensa, síndrome dos ovários poliquísticos, miomas, doenças auto-imunes, depressão ou perturbação disfórica pré-menstrual. Incentivar as pessoas a lidar com sintomas graves sozinhas em casa todos os meses não é uma solução eficaz nem humana.

Estas condições de saúde merecem um diagnóstico e tratamento médico efectivo e atempado, licenças por doença e adaptações razoáveis no local de trabalho. Os mesmos aspectos que se aplicam a todas as doenças crónicas e que já são abrangidos pelas políticas laborais da UE e do Reino Unido.

A licença menstrual também não ajuda a reduzir a vergonha, o estigma ou a discriminação menstrual. Na verdade, encoraja a remoção da menstruação — e, por extensão, das mulheres — da esfera pública, escondendo-a em casa.

Esta política baseada no sexo confunde períodos saudáveis com problemas de saúde menstrual debilitantes, o que patologiza o corpo feminino normal e prejudica os problemas de saúde que afectam principalmente as mulheres. Esta é, em parte, a razão pela qual as mulheres e as doenças que afectam principalmente as mulheres têm mais probabilidades de serem rejeitadas pelos médicos, levando por vezes anos a obter um diagnóstico formal.

Por último, ao medicalizar o ciclo menstrual (ou seja, ao posicioná-lo como uma doença e não como um processo saudável), estas políticas reforçam crenças sexistas que fazem parecer que todas as mulheres são biologicamente inferiores (mental e fisicamente). Este é um dos principais factores que contribuem para a discriminação de género, especialmente no local de trabalho, uma vez que estas ideias são utilizadas para minar o valor, a contribuição e o potencial de liderança das mulheres.

A licença menstrual até pode piorar a situação

As políticas de licença menstrual existentes não só não conseguiram resolver os problemas que se propunham resolver, como também resultaram directamente em discriminação contra as trabalhadoras. Isto deve-se, em grande parte, aos mitos de género reforçados por esta política. Faz com que todas as mulheres pareçam mais caras e menos consistentes e produtivas. Pode também levar a uma reacção negativa por parte de colegas e empregadores contra um benefício baseado no sexo.

Já sabemos que a licença parental partilhada (para os pais independentemente do sexo) é uma política mais eficaz do que a licença de maternidade (que se baseia no sexo feminino). Melhora as disparidades salariais entre homens e mulheres, as oportunidades de contratação, promoção e liderança das mulheres, os resultados em termos de saúde infantil, as experiências de paternidade e a igualdade de género na sociedade em geral.

Estas melhorias ocorrem porque a política evita a reacção negativa baseada no género associada à licença de maternidade. Esta reacção negativa é motivada pelo ressentimento consciente ou inconsciente e pela discriminação que lhe está associada contra as mulheres trabalhadoras, devido à percepção de uma vantagem injusta (tempo de ausência do trabalho remunerado) e/ou responsabilidade biológica (o corpo reprodutor feminino). As mesmas questões aplicam-se às políticas de saúde menstrual e menopáusica no local de trabalho.

Temos de melhorar os conhecimentos no local de trabalho (e na escola e a nível médico) sobre a saúde reprodutiva e bem-estar. Todos nós deveríamos saber o que é normal ou o sintoma de um problema de saúde subjacente. Da mesma forma, é chocante que algumas pessoas não saibam porque é que menstruamos ou como reduzir as alterações cíclicas.

Temos também de tornar os locais de trabalho (incluindo as escolas) adequados para as pessoas que têm períodos menstruais e de promover culturas e práticas de trabalho mais flexíveis e equitativas que beneficiem todos os trabalhadores. Por exemplo, combater o "presentismo", se os trabalhadores se sentirem obrigados a trabalhar mesmo quando não se sentem bem, e acabar com as pausas para ir à casa de banho "cronometradas".

Embora estas acções não sejam tão simples ou cativantes como a "licença menstrual", pelo menos fariam uma diferença positiva na vida de milhões de trabalhadores — sem agravar involuntariamente as desigualdades de género.


Exclusivo PÚBLICO/ Conversation
Sally King é estudante de doutoramento, departamento de saúde global e medicina social do King’s College em Londres

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