Têm esclerose múltipla, paralisia cerebral ou síndrome de Down e estão na capa da edição britânica da revista Vogue. Intitulada Reframing Fashion ("reenquadrar a moda", em tradução livre), tem como protagonistas 19 pessoas com deficiência que se distinguiram na arte, no desporto e na moda. É um dos momentos da história da publicação de que o editor Edward Enninful mais se orgulha, celebrou em entrevista à BBC.
Uma das estrelas na capa é a actriz norte-americana Selma Blair, que foi diagnosticada com esclerose múltipla em 2018 e tem falado publicamente sobre a patologia, não deixando que essa a impeça de trabalhar. Na capa surge com a bengala que já se tornou um acessório e acredita ajudar a trazer visibilidade à doença. “Muitas pessoas jovens começaram a assumir publicamente as suas bengalas. Acho que essa representatividade importa. Se posso ajudar a derrubar o estigma ou a curiosidade alheia, em prol dos outros, isso é óptimo”, sublinha à Vogue.
Já a modelo britânica Ellie Goldstein, que tem síndrome de Down, protagoniza outra das capas e garante que a sua deficiência só a ensinou a ser mais ela própria e a não ter medo de "fazer barulho". Destacam-se, ainda, o piloto Nicolas Hamilton, irmão do campeão mundial de fórmula 1 Lewis Hamilton, que sofre de paralisia cerebral, tal como a comediante Rosei Jones.
Também Justina Miles, surda e intérprete de língua gestual, posa para a revista. Recentemente, tornou-se um fenómeno na Internet, depois de traduzir o espectáculo de Rihanna no Super Bowl, numa performance, que tinha por objectivo chamar a atenção, mostrando que os surdos também se podem divertir "tal como nós", diz à publicação.
“O que adoro em todos eles é o facto de falarem e celebrarem a sua comunidade, ensinando o mundo a ser mais compreensivo. Qualquer pessoa assim merece estar na capa da Vogue britânica”, assinala Edward Enninful.
Publicar esta ediçãoempre foi um dos objectivos de Edward Enninful: “A minha missão aqui na Vogue tem sido sempre sobre inclusão e diversidade, porque as pessoas se esquecem como é difícil para a comunidade com deficiência.” Ao trabalhar com os 19 protagonistas, o editor assegura “ter aprendido muito” sobre o que é viver com deficiência.
Ele próprio vive com deficiências na visão e na audição, bem como uma doença no sangue, que lhe traz “desafios”. Por esse motivo, sente-se “orgulhoso” de dar espaço para que "as pessoas possam falar sobre as suas incapacidades, sem as esconder, mostrando como isso as afecta”. E assevera: “Acho que é uma das edições mais incríveis de que tive o privilégio de editar durante as minhas funções.”
Inclusão da primeira à última página
Enninful está na liderança editorial da Vogue britânica desde 2017, três anos depois tornar-se-ia director editorial da Vogue na Europa e uma das suas bandeiras é a inclusão. É que a moda tem lugar para todos, justifica. “Houve muitas lágrimas e muitos deles [dos protagonistas] não achavam que as produções de moda fossem para eles e nem lhes parecia real estar ali.”
Esta missão de tornar a Vogue mais inclusiva é levada a sério não só na escolha dos protagonistas e nas produções de moda, mas em toda a estrutura da empresa. Na mesma entrevista à BBC, Edward Enninful conta que já recusou propostas de publicidade de grandes casas de luxo, por acreditar que estas não partilhavam a mesma visão quanto à diversidade e representatividade na moda.
Aliás, quando chegou à Vogue, avisaram-no de que “criar uma revista sobre inclusão em que todas as raças estivessem representadas” seria sinónimo de “crise”. Para conseguir concretizar esse objectivo, teve de “afastar” pessoas “que não partilhavam da mesma visão”, mesmo que isso implicasse perder dinheiro.
“Quando esta revista chegar às bancas, espero que as pessoas com deficiência a vejam e digam que não só se conseguem ver nas páginas da Vogue, como também na moda”, termina.