Chamava-se Hedda Kleinfeld Schachter e, talvez, só pelo nome, seja uma desconhecida. Mas a austríaca tem uma história de vida digna de nota: sobreviveu ao Holocausto e fundou a loja de vestidos de noiva mais conhecida do mundo, a Kleinfeld, em Nova Iorque, celebrizada pelo programa de televisão Say Yes to The Dress. Morreu a 29 de Março, aos 99 anos, vítima de bloqueio intestinal.
Milhares de mulheres de todo o mundo rumam a Nova Iorque para ter a oportunidade de escolher “o vestido” para o grande dia na icónica loja de noivas. Mas nem sempre foi assim. O que é hoje um império começou com uma pequena loja de peles, fundada pelo pai de Hedda, Isadore Kleinfeld. Foram Hedda e o marido, Jack Schachter, os responsáveis por tornar o negócio num sucesso.
Na década de 60, começaram a vender vestidos de casamento, que, inicialmente, pouco traziam de novo, além de pequenas variações dos modelos tradicionais, encontrados em qualquer boutique, recorda o New York Times. Não contente, Hedda Kleinfeld empreendeu uma viagem à volta do mundo, para descobrir as criações mais originais para noiva.
Começou, então, a importar vestidos de criadores de moda europeus e contratou um exército de costureiras, modelistas e consultoras de imagem para garantir que, para cada noiva, existia o vestido certo. O segredo para o boom de sucesso? Além da variedade de modelos disponíveis (nos anos 70, já ofereciam mais de 400 vestidos), foi a qualidade do serviço que os começou a diferenciar e a fazer com que noivas de todo o mundo viajassem até Brooklyn só para os visitar.
Em 1985, numa rara entrevista à revista WWD, detalhou o processo por detrás do sucesso: “A noiva está constantemente em exposição, tem de estar imaculada, e nós temos de a guiar nessa edição, e sermos capazes de a imaginar debaixo de um candelabro ou numa igreja. Tem de ficar bem não só nos espelhos da sala de prova.”
Consciente da mina de ouro que havia descoberto, Hedda Kleinfeld começou a desafiar os criadores norte-americanos a desenhar os seus próprios vestidos e a trazer novidade a um sector tradicionalista. Para os incentivar, ofereceu contratos de exclusividade de venda e ajudou a lançar as linhas de noiva de Carolina Herrera, Arnold Scaasi e Galina, entre outros.
Por esta altura, a Kleinfeld já atendia cerca de 85 noivas por dia, durante a semana. Ao sábado, as marcações podiam chegar às 100 pessoas. São números de impressionar, sobretudo num negócio que Hedda apelidava de “sensível”: “[A moda] de noiva é 10% de arte e 80% de serviço.”
Em 1990, já tinham um império que facturava mais de 20 milhões de dólares por ano, com uma loja de 30 mil metros quadrados em Brooklyn e outra só dedicada a damas de honor, na Terceira Avenida. Então, um vestido comprado na Kleinfeld custava no mínimo dois mil dólares, mas havia modelos que chegavam aos 20 mil. Em 1991, o casal reformou-se e vendeu o negócio, que passou para um grupo de investidores, até chegar, no final da década, aos proprietários actuais: Mara Urshel, Ronnie Rothstein e Wayne Rogers.
Foram estes empresários os responsáveis por mudar a empresa para o coração de Manhattan, em 2005, com a abertura de uma loja de mais de 35 mil metros quadrados, 250 funcionários e 1500 vestidos de noiva. No ano seguinte, começava o reality show, que abriu as portas da empresa para o mundo e celebrizou o conhecido consultor Randy Fenoli.
Holocausto e um amor para a vida toda
Mas se a história da Kleinfeld é conhecida graças ao sucesso televisivo, a vida de Hedda Kleinfeld Schachter é praticamente anónima. Nasceu a 5 de Fevereiro de 1924, em Viena, na Áustria, a mais velha de duas irmãs. O pai, que tinha sido soldado na I Guerra Mundial, trabalhava no negócio de peles (o tal que continuará nos Estados Unidos) e a mãe, Regina, era modista.
A história de uma família "normal" havia de mudar, em 1938, quando os nazis anexaram a região austríaca e fecharam negócios de judeus, como era o caso dos Kleinfeld. O pai de Hedda seria mandado para o campo de concentração de Dachau, perto de Munique, de onde conseguiu escapar quatro meses depois.
Já Hedda, a mãe e a irmã Liana partiram para Cuba. Foi lá que ficaram durante dois anos, enquanto esperavam a aprovação de um visto para entrar nos Estados Unidos. Em 1940, mudaram-se para Brooklyn, onde Regina encontrou trabalho com a conhecida modista Lily Daché e Isadore voltou ao negócio das peles.
Para o ajudar, contratou o jovem Jacob Schachter. Já sabemos o final desta história: Jack e Hedda haviam de se apaixonar e casaram-se em 1941, quando a rapariga só tinha 17 anos. Então, recorda numa entrevista ao Museu do Holocausto, era ilegal estudar e ser casada, pelo que o marido a deixava longe da escola.
Para o casamento, mandou fazer um vestido de seda, longe de imaginar que construiria “um império de tule e cetim”, como lhe chama o New York Times. O histórico vestido havia de se perder, depois de ter sido usado por muitas amigas de Hedda, numa altura de crise, em que o tecido estava procurado.
Hedda e Jack estiveram juntos o resto da vida, no amor e nos negócios. Ele morreu em 2008 e ela viveu até aos 99 anos. Deixam dois filhos, Robert e Ronald, três netas e dois bisnetos.