Da Ucrânia com Amor: o viveiro de histórias


Na área de serviço espanhola um grupo de jovens joga à bola. Estão felizes. Percebe-se que vão de férias de Páscoa. Falam alto. Riem e gesticulam. Um pontapé mal dado pela falta de jeito faz o “esférico” voar nas alturas. Vai cair bem longe das pernas desajeitadas. Uma criança recebe o presente vindo do céu. O jovem espanhol corre e num tom meigo diz – Pasa! A criança ucraniana remata com a força que o seu pequeno corpo permite. O jovem galga para junto do seu grupo. A criança agarra-se às pernas da mãe.

Aproveitando uma sombra, vi naquela bola uma grande metáfora. A solidariedade dos povos. O entendimento dos humanos. Seria fácil se fosse sempre assim. Mas naquele alcatrão manchado de combustível, Coca-Cola e migalhas de pão, magoado pelo rodado dos grandes camiões e afagado pelos milhões de veraneantes, há um transporte especial. Uma espécie de viveiro de histórias recentes. Histórias tristes que sempre sangrarão.

Foto
Viagem de autocarro de Portugal à Ucrânia ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

Já em Espanha, esticam o corpo. Dão felicidade aos músculos e aos ossos. A viagem será longa. Começou em Portugal e terminará na Ucrânia. Dizem os mapas que são três mil e quatrocentos quilómetros. Um autocarro de mulheres ucranianas. Os homens estão no país. Uns a combater outros à espera. Eu, o Camilo Soldado e o João Miranda sentimos as dores nos músculos e nos ossos. Os quilómetros não perdoam. Somos sementes no viveiro.

Com dez anos e de olhos verdes, faz do corredor do autocarro o seu passeio. Diz a sua camisola – We are the future.

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