A Casa Santos Lima, empresa familiar do início do século XX e origens em Lisboa, já estava presente em cinco regiões vitivinícolas, às quais somou em 2022 o Dão e os Açores. Os primeiros vinhos da agreste e incrível ilha do Pico sairão para o mercado em Maio, um branco de lote e dois varietais, Verdelho e Terrantez. Os de 2023 terão a influência vulcânica ainda mais vincada, já que o produtor conta usar uma barrica especial, tratada com basalto do Pico, levando mais longe o conceito de sense of place.
"As nossas vinhas no Pico são na zona vinhateira, para os lados de Santa Luzia e do Lajido, na zona que é Património Mundial. São terroirs muito vulcânicos e terras muito virgens. Achámos que a parte vulcânica iria ser essencial no perfil dos nossos vinhos", começa por explicar-nos Vasco Martins.
Mas os solos vulcânicos e o rocio salgado que fustiga as videiras vindo do Atlântico (uma das vinhas fica "a 300 metros de distância do mar") não são suficientes para dar a estes vinhos o tal sentido de lugar? A integração de vinho e barrica — e o produtor nunca coloca na madeira todo o lote — será melhor, dando origem um vinho "mais homogéneo", explica o administrador e responsável pela área de enologia da Casa Santos Lima.
"A madeira não se sobreporá tanto como num método de tosta convencional. Uma das coisas de que não gostamos, e daí os blends com aço inox, é a madeira ficar demasiado proeminente, o chamado over-oaked. O mercado hoje não gosta. E nós também não. Gostamos de proteger a fruta e o sense of place. Há também uma micro oxigenação, para obter um vinho de elevada qualidade", detalha.
A barrica Onyx (assim se chama esta barrica de 225 litros, em vias de ser patenteada) distingue-se pela forma como é feito o seu tratamento térmico. Depois de criteriosamente seleccionadas as aduelas de carvalho francês que lhe vão dar origem, a barrica vai ao fogo, sim, tal e qual uma barrica normal, mas apenas para "ganhar alguma elasticidade" e a conseguirem vergar para que adquira aquela forma abaulada. Na terceira e última fase, ao invés de seguir um dos protocolos de queima já rotineiros na JM Gonçalves (é nesta fase que se trabalha a madeira em função do perfil de vinho pretendido), a Onyx é submetida a um tratamento térmico com pedras vulcânicas.
José Abílio Gonçalves, sócio-gerente da tanoaria industrial situada em Palaçoulo, Miranda do Douro, explica que a ideia para chegar ao actual sistema começou a ganhar forma em 2017 e os primeiros exemplares foram produzidos no ano seguinte. "A fonte de calor não é a combustão a lenha, são infravermelhos, associados a pedras vulcânicas, que acumulam energia térmica e vão sendo humedecidas, criando aromas mais minerais e alguma complexidade no interior da barrica. É uma queima com ausência de fumos, com aromas terciários mais subtis", explica o gestor, também ele formado em enologia e já da terceira geração de uma família tanoeiros.
Lá fora, "a crítica tem sido muito positiva" e faz referência à tal mineralidade, garante José Abílio Gonçalves. Por cá, é uma novidade, já que a empresa transmontana só lançou em Portugal a Onyx em 2022. "Hoje há uma procura crescente por barricas que respeitem mais o vinho" e a Onyx é apenas "mais uma ferramenta" ao dispor dos enólogos.
Vasco Martins não vê riscos na experiência marcada para a próxima vindima. Diz o gestor e enólogo que testou estas barricas no projecto pessoal que tem com o irmão Rui Martins no Douro (vinhos Golpe) e obteve bons resultados, embora com pedras vulcânicas de outra origem que não o Pico. Isso e que tem sempre a segurança de apenas parte dos lotes ir à madeira. "Nunca fazemos 100 por cento barrica, por isso vamos conseguir testar lá naturalmente. Grosso modo entre 30 e 60 por cento [do lote] vai à barrica, mas depende muito do vinho e do ano." Estágio parcial. E também curto, "nunca mais do que um ano", sendo que é sempre "a prova que manda".
Adega e enoturismo, "a ilha convida"
A Casa Santos Lima tem nos Açores três vinhas com sete anos, que perfazem 16 hectares, em Santa Luzia, no Lajido e nas Bandeiras, e adega própria, para já provisória. "Temos sempre vinhas e adegas nos locais onde actuamos. No Pico, montámos de raiz uma adega provisória, mas temos um projecto para fazer uma adega numa das nossas vinhas mais emblemáticas. O cariz da ilha convida." A área de vinha deverá crescer nos próximos anos ("estamos encaminhados para ter mais alguns hectares") e há "também ambições no enoturismo".
Há uns meses, em entrevista ao PÚBLICO, Paulo Laureano falava do Pico como a nova galinha dos ovos de ouro para muitos dos que para lá corriam agora. Confrontado com essa ideia, Vasco Martins contextualiza: "Há muitos operadores a ir para o Pico, mas não há assim tantos a comprar vinhas lá. O Pico tem uma mancha de vinha muito grande, neste momento, mais de 1000 hectares, o equivalente à região do Algarve. E a maioria dos viticultores são originários da ilha e não produzem vinho, vendem uva. Sendo uma viticultura muito complicada, os picarotos estão dispostos a vender".
Dessa "viticultura muito exigente" e de "um dos anos de pior produção da última década no Pico", a Casa Santos Lima lançará em Maio três vinhos: um blend de "Arinto, Verdelho e um bocadinho de Terrantez, marca Arquipélago [1500 garrafas, PVP a rondar os 30 euros]", e dois varietais, um Verdelho e um Terrantez (1000 garrafas cada, ainda sem PVP definido), cujo nome é ainda um segredo da casa.
Apesar de 2022 ter sido "mesmo muito penoso", a empresa tem "ainda vinhos a estagiar, para lançar mais tarde, nomeadamente um rosé". "Em 2023, podem surgir outras referências. Será a vindima a mandar. O tempo é muito inconstante, nunca sabemos até ao dia da vindima a produção que a vinha vai dar. Nem a qualidade. Isto é verdade para qualquer terroir, mas no Pico é ainda mais."