Dirk Niepoort: “Fazer vinhos mais leves não é uma moda, é uma virtude”

Há mais de 20 anos, o seu Batuta com 12,5 graus foi uma pedrada no charco. Hoje, tem a certeza de que os “vinhos pesadelo” já eram. Dirk Niepoort fala-nos disso e do vinho sem álcool que está a fazer.

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Para Dirk Niepoort, os vinhos leves, menos extraídos e mais elegantes vieram para ficar. O que chama de "vinhos pesadelo" já era Manuel Roberto

Como é que vê hoje os vinhos portugueses e o foco do sector neste momento?
Acabei de vir dos EUA, onde antigamente um vinho português era inexistente ou então estava escondido ao lado do espanhol. Hoje existe Portugal, está quase tão forte como Espanha, há uma mudança radical positiva, que aconteceu nos últimos anos. Os vinhos estão muito melhores. São tecnicamente mais bem feitos, mas perderam a personalidade. Sempre acreditei nessa aposta nas nossas castas autóctones. E neste momento o facto de [o vinho] ter um palavrão diferente e exótico, tipo Rabo de Ovelha [variedade branca também conhecida como Rabigato], é positivo. O mundo está a mudar e aquela tendência simplicista de apostar só em Chardonnay, Sauvignon Blanc e Cabernet Sauvignon também, devagarinho. Portugal pode ganhar muitos pontos se continuar a apostar em si próprio e em fazer vinhos com personalidade.

Nessa viagem, que outros palavrões, que varietais portugueses, viu nas prateleiras?
Nem é preciso ter os palavrões. O facto de ser um field blend torna as pessoas curiosas: o que é que isto quer dizer? O facto de ser mistura de castas já é positivo.

Os vinhos menos extraídos, mais frescos, mais elegantes que vamos vendo, nomeadamente nos tintos, são uma tendência que veio para ficar ou é uma moda passageira?
É uma tendência que está aí para ficar. Temos a tendência a gostar de vinho pesadelo, mas o estrangeiro está muito mais à frente, principalmente os países nórdicos.

Para quem estiver a perguntar-se o que são vinhos pesadelo...
Vinhos pesados, com muito álcool, com muita madeira, muita extracção, etc.

Que outras modas entendeu, à época, que vinham para ficar e depois não ficaram?
Quando eu comecei, era muito complicado explicar a um estrangeiro a mistura de castas. Os engenheiros achavam que era um descontrolo total das vinhas. Mas as coisas não aconteceram por acaso, não foi por serem burros que os velhinhos plantaram misturado. Havia razões para fazer as coisas como se fizeram. E as razões eram talvez diferentes das de hoje. Mas a minha aposta sempre foi nas castas autóctones e nas vinhas velhas, com muitas castas misturadas.

Mas eu digo também outras tendências. Sei lá, a lata, por exemplo, não parece ter pegado. Temos muitos produtores a fazer, sim, mas é para exportação.
Nós estamos a fazer a garrafa de litro e cá em Portugal, ao princípio, toda a gente torcia o nariz, inclusive as pessoas que trabalham na empresa. [Diziam] A garrafa de litro é associada ao vinho barato, ao vinho de tasca e tal. Exactamente, é isso que eu quero. Os Nat Cool são quase todos engarrafados em garrafas de litro.

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O PÚBLICO entrevistou Dirk Niepoort nas caves da Niepoort, em Vila Nova de Gaia Manuel Roberto
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Em entrevista ao PÚBLICO, Dirk Niepoort conta a história de como há uma vintena de anos lhe telefonaram a dizer que não podia fazer vinhos tintos com 12,5 graus Manuel Roberto

Esses tintos menos extraídos, mais elegantes, o Dirk foi um dos primeiros a fazer, corria o ano…
O primeiro foi o Batuta 2001, que tinha 12,5 graus. E eu recebi telefonemas de jornalistas importantes em Portugal, amigos, a alertar-me que eu já tinha estatuto, que não podia fazer um vinho com 12,5 graus, que que era responsabilidade a mais. Que era banalizar. Mas isto não é um erro de percurso [disse-lhes], eu quero que seja assim. Eu não sei é fazê-lo, mas em 2001 fiz. E fui aprendendo a fazer e, na verdade, gosto muito mais de vinhos mais leves do que de vinhos pesadelo. Não sei porque é que um vinho tem que ter 15 graus para ser levado a sério. E mais: normalmente, os vinhos com 15 graus não envelhecem melhor. Nós é que temos a mania que um vinho para ser de guarda tem que ter 14,5, 15 ou 16 graus. Não é isso que faz um vinho envelhecer, antes pelo contrário. Os grandes Bordéus tinham todos 11,5 graus, 12,5 graus.

Não é o álcool, é mais a acidez?
A acidez faz toda a diferença, mas nem é só uma questão de acidez, é uma questão de equilíbrio entre os componentes.

Em que outros países vê os produtores a capitalizar esta questão do património genético das vinhas? Sei que nós temos uma condição ímpar, nós, Itália, França, mas vê noutros países produtores de vinho esta atenção para as castas autóctones?
Vejo que a Itália começa a respeitar um bocadinho mais o património cultural. Talvez o país que neste momento está a fazer o melhor trabalho seja a Grécia. Num futuro próximo, penso que os países do Leste, dependendo de guerras e porcarias que estejam a acontecer. São países que ficaram parados no tempo, que têm um património superrinteressante, não só de castas, mas também de tradições e hábitos ancestrais, nomeadamente fazer vinhos em talha. Para eles é natural e normal. E para nós é uma novidade, ou uma 'renovidade', digamos. É positivo ver que há países que se pode redescobrir e que podem salvar tradições. Como a Geórgia, por exemplo.

Como vê a decisão da Comissão Europeia de autorizar a Irlanda a incluir, a partir de 2026, nos rótulos de todas as bebidas alcoólicas, vinho incluído, aqueles alertas sobre os perigos para a saúde do consumo de álcool? Isso tem alguma hipótese de chegar aos países do Sul?
Eu estou convencido que vai acontecer muita coisa nesse sentido, vai demorar mais tempo nos países do Sul, mas que vai haver mudanças não tenho dúvidas.

Porque uma parte dos consumidores o pede, com os movimentos Zero alcohol e Low alcohol?
Aí está, e cada vez mais. Nós estamos a fazer também um vinho sem álcool. Eu chamo-lhe Riesling, mas não tem uvas, não é feito de uva, é um feito à base de chá, mas parece um Riesling [a mais nobre das castas alemãs, hoje disseminada pelo mundo]. Não tem álcool. É uma coisa que me está a dar muito gozo fazer.

O que é que se chama isso? Não é vinho.
É um Kombucha que não é Kombucha. Não sei, não faço ideia o que lhe vou chamar. Eu gosto muito de chá e de Kombucha e, por acaso, [na Chá Camélia] fizemos um Kombucha que filtrámos demais. E um dia estávamos a fazer um Zoom e eu abri um desses e fiquei encantado. Ainda por cima, tinha um copo de Riesling à mão. Já não assisti ao Zoom. Fiz o projecto todo em meia hora. Tudo na minha cabeça.

Como vê o negócio do vinho daqui a 15 ou 20 anos?
Não sei responder, porque estamos a viver tempos que mudam tão rapidamente que já é difícil qualquer pessoa normal acompanhar. Mas eu acho que haverá cada vez mais pessoas anti-álcool. Isto não é uma moda, fazer vinhos mais leves é uma virtude, é uma coisa natural. E vinhos pesadelo vão ter problemas. As espirituosas, não faço ideia, são uma indústria muito pesada, muito controlada e com muito dinheiro. São eles que estão a causar os estragos, mas safam-se. Depois temos as alterações climáticas, não é? Se, de repente, começam a fazer vinho na Suécia, se calhar as leis vão ser diferentes do que se não fizerem. Há muita política nisto tudo.

Mas na Niepoort perspectivam-se coisas dessas e, em função disso, fazem-se apostas, investimentos. Era o que me estava a dizer. Coisas como o bag-in-box, de que me falava, são a pensar nisso?
Isso são as empresas sérias, que fazem prognósticos. Eu não vou muito por aí. Agora, sou às vezes um sonhador. Há uns cinco ou seis anos, tentei comunicar com a minha mãe e irmã aquilo que eu achava que ia ser [a empresa] dali a 20 anos. E uma das coisas que eu escrevi é que dali a 20 anos 50 por cento da facturação da Niepoort iria ser chá. Aparentemente é quase impossível. Mas, se calhar, não é assim tão impossível como isso.

Ia perguntar-lhe precisamente se o negócio do chá era para crescer.
Não sei se era para crescer, mas está a crescer. E está a crescer muito.

Quanto é que representa neste universo? Se não os 50 por cento…
O chá não faz parte da Niepoort. É um projecto da minha mulher [Nina Gruntkowski]. Por acaso, sou o marido dela. Acabo por estar muito envolvido, eu gosto muito de chá. Mas, tecnicamente, não tenho nada a ver.

Mas está a crescer, então, quanto?
Ainda é pequenino, mas vai crescer.

Em área também?
Na minha cabeça, sim.

Vocês têm plantações junto ao mar, não é?
Temos aqui em Fornelo [Vila do Conde] 1 hectare e temos uma plantação experimental no Dão, para ver se funciona. Tem uns cinco anos. No Douro, tivemos no princípio, já sabíamos que no Douro era quente demais e frio demais, mas fizemos na mesma. Transferimos as plantas todas para Fornelo e, curiosamente, um terço das plantas estavam muito melhores no Douro do que no Vinho Verde mas dois terços estavam muito piores. E metade morreu.

Quando diz que, na sua cabeça, sim, é crescer quanto e onde? Quais são as zonas de Portugal boas para o chá?
A zona por excelência é onde nós estamos, em Fornelo. Eu estou convencido de que daqui, lá está, a 20 anos haverá ali 30 hectares de plantação de chá, não necessariamente nossos, haverá turismo à volta do chá, hotéis, restaurantes e muitos estrangeiros a viver naquela região. Já nos visitam muito. É só por marcação, mas temos muitas visitas.

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