A droga é o terror das mães dos adolescentes
Tenho muito medo do que as pessoas são capazes de fazer quando a responsabilidade individual se dilui na “manada”.
Ana,
O meu maior terror enquanto mãe de adolescentes foi o medo da droga. Um cartaz que dizia “Droga, Loucura, Morte!” espalhado na Lisboa dos anos 1970, deve ter-me marcado profundamente, mas foram sobretudo as histórias de pessoas relativamente próximas que me tornaram ainda mais fóbica.
Podemos fazer todos os sermões, e até ter a certeza de que os nossos filhos têm as ideias arrumadas, mas sabemos que em grupo é outra conversa, e que é difícil resistir à pressão dos pares. Tenho muito medo do que as pessoas são capazes de fazer quando a responsabilidade individual se dilui na “manada”.
Por muitas juras que façamos a nós próprias, acabamos por vezes a desempenhar o odioso papel de mães-perdigueiros, farejando os nossos filhos, as suas mochilas e os seus quartos à procura de indícios, a observar os seus olhos no regresso de uma noitada, numa ansiedade muito poderosa e que facilmente descamba em discussões e confrontos.
Considero o álcool uma das mais perigosas (e negligenciadas) de todas estas substâncias, mas o discurso das “drogas leves”, com a banalização do consumo da cannabis, provoca-me também uma gigantesca birra. É evidente que há adolescentes que consomem ocasionalmente e conseguem não criar nenhuma dependência, e sei que felizmente a teoria de que “começa-se com um charro e acaba-se na heroína”, não tem pés para andar, mas estou segura de que é serviço público avisar os miúdos de que o seu uso não é inofensivo, menos ainda agora que a concentração de THC é muito mais alta (e não é controlada).
Grandes especialistas na área da toxicodependência, como João Goulão, têm chamado a atenção não só para a “complacência social” em relação à cannabis, mas também para o facto de que são os seus consumidores que, nos últimos anos, mais recorrem aos programas de desintoxicação.
Cá para mim deviam processar os políticos que foram voz de uma publicidade claramente enganosa, porque, afinal, ficaram dependentes e sofrem as consequências dessa dependência — numa fase da vida em que desenvolver competência sociais e académicas é fundamental, o “adormecimento” que provoca quando consumido intensamente, impediu-os muitas vezes de progredir profissionalmente, prejudicou as suas relações amorosas, isolou-os e, nalguns casos, paralisou-os com paranóias e fobias. Quando não desencadeando outros problemas de saúde mental.
Tudo isto são, cá para mim, razões mais do que suficientes para que os pais e professores não cruzem os braços. Até porque as razões que podem levar ao consumo e à dependência, têm as suas raízes na família e na escola. Muitos invocam a ansiedade incapacitante como estando na verdadeira origem do seu uso de drogas.
Por isso, provavelmente, para além de os ajudar a aprenderem a ser capazes de dizer “Não”, valia a pena levar a sério as suas angústias, dando-lhe as armas internas para as vencerem sem precisarem destas bengalas.
O que diz o teu radar sobre tudo isto?
Querida Mãe,
Lembro-me bem do seu pânico, que na altura desvalorizava, mas que à medida que os meus filhos crescem me parece mais compreensível. Fumar, beber, drogas, sexo, têm em comum uma coisa: nunca vamos conseguir apenas "proibir e pronto!". Tocam num dos pontos mais profundos da nossa ansiedade: a falta de controlo.
Sabemos que o corpo é deles, que passam cada vez mais tempo longe de nós (e ainda bem), que têm um “grupo” (o que desejamos, porque não os queremos sós e isolados), mas também que o seu córtex pré-frontal não está completamente desenvolvido, o que os torna mais impulsivos e com mais dificuldade em avaliar o risco — e perante este cocktail explosivo, sentimo-nos impotentes.
Espere, mãe, falta-me acrescentar a esta poção um outro ingrediente: a mentira. Que consegue ser tão ou mais destrutiva para os pais, do que tudo o resto. Conheço muitos pais que ficaram completamente abalados não só por terem descoberto que os filhos fumavam ou já tinham relações sexuais, mas (sobretudo?) porque os filhos lhes mentiram acerca dos seus comportamentos.
Quando isto acontece, os pais perdem o chão: temem o afastamento, perdê-los, aterroriza-os pensar que se alguma coisa de realmente grave lhes acontecer não os consigam salvar a tempo, mas também ficam zangados, sentem-se traídos e põem em causa toda a educação que lhes deram. Às vezes, ficam profundamente magoados porque lhes parece que os filhos os magoam de propósito.
A questão é: o que fazer? Mesmo sabendo que os palpites de bancada são fáceis, diria: respirar. Ter calma. Pensar na relação a longo prazo e não apenas no momento. Se queremos que passem ou continuem a confiar em nós, se o objectivo é usar a oportunidade para lhes dar mais informação, e até, no caso das drogas, para deixarem o consumo, então precisamos de estar conectados. Não precisamos de concordar, nem de fingir que aceitamos tudo. Não temos de contribuir (com dinheiro ou espaço em casa para que fumem ou durmam com alguém), mas temos de os respeitar.
Mas, mãe, não nos podem esquecer que se não temos controle, temos influência. E muita. Muito mais do que aquela que eles próprios querem admitir. E ligam muito ao que pensamos. Além disso, por muito que na altura seja difícil de acreditar, não querem desiludir-nos, e precisam do nosso amor e da nossa admiração. Por isso, vamos estar à altura do desafio de os influenciar e informar de forma positiva, tendo o cuidado de validar o que sabemos sobre o assunto antes de falar (o tal “Droga, Loucura, Morte”, não parece o manual mais indicado!). Caso seja necessário não devemos hesitar em recorrer a ajuda especializada, para nós, para eles, para a família, transformando este “susto” numa oportunidade.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.