Entidade para a Transparência tomou posse, mas tarefa “não vai ser fácil”, antevê presidente do TC
Equipa inicial estará a trabalhar já neste mês. Presidente do TC desafia Governo a cumprir obrigação de dar instalações completas à entidade.
Demorou três anos a sair do papel e logo no primeiro dia oficial há quem lhe augure um futuro não muito risonho. Os três membros da nova Entidade para a Transparência tomaram posse nesta quarta-feira no Tribunal Constitucional (TC) mas o presidente desta instituição não se coibiu de deixar o aviso de que "não vai ser fácil a tarefa" que os espera.
"A expectativa que a Entidade para a Transparência desperta é compreensível, mas largamente fruto do desconhecimento das suas atribuições", assinalou João Caupers no discurso da posse que contou com a presença do Presidente da República e a do Parlamento. "Para uns, de pouco servirá, porque nada mais fará do que receber e guardar informação; para outros, servirá para quase tudo: irá finalmente pôr fim à corrupção, ao tráfico de influências, às fraudes e abusos, enfim, resgatar os pecados do mundo. Nem uns nem outros estão certos", vincou.
A direcção da entidade que irá passar a receber, processar e fiscalizar as declarações de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos é composta por Ana Raquel Moniz, que preside, e por Pedro Miguel Nunes e Mónica Correia. Ou seja, uma académica "juspublicista de prestígio inquestionável como presidente; um especialista em fraudes fiscais, gestão de riscos de corrupção e matérias afins; e outro em protecção de dados pessoais, como vogais", como os descreveu Caupers.
Prevê-se que a direcção comece a trabalhar no Palácio dos Grilos, em Coimbra, na primeira parte do edifício já recuperada, durante este mês, mas ainda numa situação "precária" por não estar ainda formalizado protocolo entre a universidade e o TC. Em breve terá três ou quatro colaboradores, que não serão muitos tendo em conta os milhares de declarações que será preciso fiscalizar.
"Não vai ser fácil a tarefa que vos espera. Nunca é, de resto, quando se trata de criar algo novo. E, sobretudo, não o é na área em que vão operar e no contexto actual", avisou João Caupers que assinalou que o novo sistema, assente na plataforma electrónica através da qual os titulares preencherão as declarações representa um "progresso muito significativo", com mais "celeridade, eficiência e segurança".
“A transparência, que dá o nome à nova entidade, não constitui um fim em si mesmo. É antes um instrumento, valioso, mas não o único, para prosseguir finalidades caras ao Estado de direito, quais sejam as de procurar garantir que os comportamentos dos decisores públicos respeitem a legalidade, a imparcialidade, a probidade e a moralidade administrativas”, defendeu João Caupers.
O presidente do TC procurou justificar a demora do processo: realçou que a criação da plataforma electrónica, que era competência do tribunal, até correu bem e depressa, mas o que "enfrentou dificuldades" foi a parte que compete ao Governo, devido à "localização e características do edifício que este pôs à disposição do tribunal". Trata-se do Colégio de Santa Rita, conhecido por Palácio dos Grilos, em Coimbra, pertença da universidade, que precisava de remodelação.
Caupers não contou, porém, que foi o TC que escolheu este espaço e que impôs uma série de obras profundas. E que o atraso na escolha dos membros da direcção não foi apenas porque o TC queria fazê-lo só depois das obras mas também porque entendia que o presidente devia ter um salário equiparado a magistrado embora a lei preveja que seja apenas a inspector-geral das Finanças. As duas questões foram, aliás, motivo para uma troca de cartas entre o TC e o Parlamento durante todo o ano de 2021, com violentas acusações mútuas sobre a responsabilidade pelos atrasos.
“Confia-se que o Governo não deixará de cumprir a sua parte no que respeita ao edifício, possibilitando a instalação completa da entidade”, desafiou o presidente do TC.
Se o presidente do TC alertou para o complexo futuro da entidade, a sua presidente admitiu estar ciente das "dificuldades, desde logo, físicas e materiais".
"Não se devem escamotear as escarpas íngremes cuja escalada se impõe para que a entidade cumpra cabalmente a sua missão", afirmou Ana Raquel Moniz citada pela Lusa. A nova entidade "traduz uma manifestação da eticização do agere [agir] dos poderes públicos, considerando que à transparência se associam, em regra, as dimensões de isenção, objectividade e imparcialidade", salientou a presidente.