Abaixo a ditadura do corpo perfeito? Sim, mas sem descurar a saúde!

Ao longo dos anos, o padrão de beleza feminino tem-se alterado e temos hoje um corpo mais voluptuoso e mais saudável como padrão vigente.

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Hoje, de forma progressiva, assistimos a movimentos de auto-aceitação AllGo - An App For Plus Size People/Unsplash

Muito se fala e tem falado acerca da perda de peso e alimentação saudável (nas suas n versões), com nuances diferentes de acordo com a época vivida e a influência teórica de cada profissional.

Cada vez se impõe mais nesta reflexão — e bem —, a importância da aceitação do corpo vs. a procura do corpo perfeito.

A nossa sociedade funciona, ainda, na lógica da pressão sobre as mulheres, que se vêem representadas pela sociedade através de uma imagem idealizada, muitas vezes imaculada, o que faz com que cada uma de nós fique aquém, logo à partida, desse padrão temos de ser boas filhas, boas esposas, mães (e das boas = das perfeitas), boas profissionais (mas sem descurar a vida familiar), temos de comer de forma saudável (mas sem “obsessões”), ser magras (mas não excessivamente), etc. Interessa esta reflexão, na medida em que as perturbações do comportamento alimentar, não sendo exclusivas das mulheres, são-no quase.

Ao longo dos anos, o padrão de beleza feminino tem-se alterado e temos hoje um corpo mais voluptuoso e mais saudável como padrão vigente, afastando-nos da magreza extrema cultivada nos anos 1990, numa evolução ainda que não inocente, positiva.

Hoje, de forma progressiva, assistimos a movimentos de auto-aceitação, pautados pela ideia de aceitação e validação da nossa identidade, tal como somos (contra a pressão dos padrões sociais vigentes) o que abarca as características físicas/anatómicas, incluindo-se nessa lógica o corpo e o peso.

Do ponto de vista da saúde mental, a contribuição é generosa, no entanto, se não tivermos uma narrativa cuidada, podemos cair no erro de naturalizar doenças, como a obesidade, cuja lista de riscos é demasiado extensa para ser aqui incluída.

Não poderei estar mais de acordo com a ideia de que uma pessoa obesa, ou com excesso de peso, pode e deve investir na sua imagem e não definir o seu valor negativamente pelo facto de não cumprir os padrões de beleza vigentes, que pode e deve cuidar, investir, ser vaidosa e fazer um esforço como todas as outras, por forma a se sentir o melhor possível na sua pele.

No entanto, da mesma forma que um corpo esquelético deve ser alvo de preocupação, por ser um corpo doente, o corpo de um obeso também deve encaixar nessa lógica. Parece haver, por vezes, sinais de que nos estamos a esquecer disso, com riscos para a saúde destas pessoas. Não obstante, deverá ser escolha da pessoa obesa, aceder ao tratamento ou não, tal como se aplica a outra qualquer patologia.

É também relevante termos presente a ideia de que à partida nenhum obeso o é por escolha. Estão na sua génese factores de natureza orgânica, endócrina e psicológica. A compulsão alimentar está frequentemente presente e associa-se à fome emocional, intimamente ligada à vida mental da pessoa.

Outras alterações do comportamento alimentar, como a bulimia (que podem ser vividas em corpos ditos magros e aparentemente e enganosamente saudáveis), emergem neste cenário. Dizemos que nestes quadros há uma perturbação de comportamento alimentar, com uma relação com a comida adoecida (independentemente de ser ter um peso dito equilibrado ou não) e essa deve ser o alvo de uma actuação multidisciplinar, que nem sempre é conseguida.

A ideia de doença/perturbação serve, não para marginalizarmos, mas antes para termos literacia em saúde que nos permita sermos justos e combater o julgamento que existe nestes casos.

Para gordos e magros, com uma relação perturbada com a comida, é comum haver uma inadaptação dos próprios cuidados de saúde, que negligenciam frequentemente a multidimensionalidade destes quadros, proporcionando um tratamento ineficiente. Frequentemente as variáveis emocionais são excluídas, esperando-se que, por magia, deixem de participar e a alteração comportamental surja só porque sim, sendo depois apontado o dedo a estas pessoas por “fracassarem”.

Contra a ditadura do corpo perfeito e a favor da saúde física e mental: um corpo perfeito é um corpo saudável, no qual habita uma mente com uma relação equilibrada com a comida e consigo mesmo. Parece muita “coisa”, mas em matéria de saúde, não podemos abreviar.

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