Juan Bellver: “Queremos duplicar a presença de produtores portugueses no Lavinia”
Um dos melhores sites de venda de vinhos da Europa entrou em Portugal com uma prova de vinhos internacionais e nacionais de arromba. Conversámos com Juan Manuel Bellver, director da Lavinia Espanha.
Jornalista de formação, especialista nas áreas da alimentação, fundador do site El Mundo del Vino, coleccionador de inúmeros títulos, Juan Manuel Bellver tanto fala de vinhos como de literatura, de música ou de outra arte qualquer. Não para fazer número, mas porque cultiva a velha máxima segunda a qual: “nada do que é humano me é estranho”. Em seu entender, os vinhos doces são como os diferentes registos de música clássica. “Podem não ser populares, podem não ser a música da Shakira, mas nunca passam de moda.”
Em Portugal existem vários canais de vendas online de vinhos nacionais e internacionais. Por que razão a Lavinia abre uma operação cá?
Porque temos muitos portugueses que encomendam vinhos a partir da nossa plataforma em Espanha. Mas como há questões burocráticas [nomeadamente o IVA] que têm de ser adaptadas, decidimos abrir uma operação cá. Por outro lado, melhoraremos o serviço para os clientes portugueses, quer pelo aumento da oferta de vinhos, quer pela produção de textos em português. E, assim, ganharemos um pouco mais de clientes portugueses.
Não está à espera que os clientes portugueses comprem vinhos portugueses no Lavinia.pt.
Vejamos. Não espero que a prioridade dos clientes portugueses seja a compra de vinhos portugueses no Lavinia porque em Portugal já existem sites bons para isso, mas espero despertar a atenção dos consumidores portugueses para vinhos de todo o mundo, em especial vinhos de produtores mais pequenos. Vemos que a oferta dos sites que trabalham em Portugal não dão muita importância aos vinhos do Novo Mundo, e nós, no Lavinia, somos bastante fortes nessa área. Temos vinhos muito interessantes da Nova Zelândia, do Chile, da Argentina, da África do Sul e de outros países, feitos a partir de variedades menos conhecidas ou com outras técnicas enológicas. Todavia, acreditamos que quando os aficionados ou os profissionais do sector do vinho portugueses forem ao site Lavinia.pt podem, por exemplo, entre duas garrafas de vinhos estrangeiros, comprar uma garrafa de um pequeno produtor português que nem sempre encontram facilmente. Lavinia já é um forte embaixador dos vinhos portugueses. E a sua filosofia, desde que nasceu, é colocar as marcas icónicas do mundo em pé de igualdade com vinhos de pequenos produtores de todo mundo. Vinhos biológicos, vinhos naturais, de castas únicas e esquecidas. Esse é o espírito do projecto Lavinia.
Se um produtor português quiser colocar os seus vinhos no projecto Lavinia, o que deve fazer?
Deve mandar-nos amostras para a nossa sede, em Madrid. Em todo o caso, aproveito para dizer que, este ano, três profissionais na nossa equipa vão estar no Porto, durante a Essência do Vinho e o Simplesmente Vinho, para provar e fazer acordos. Teremos, actualmente, cerca de 40 produtores portugueses no Lavinia. O nosso objectivo é, este ano, duplicar esse número.
Quais são os vossos critérios para a escolha de vinhos?
O projecto Lavinia busca duas coisas: vinhos icónicos, porque há uma clientela sempre interessada nesses vinhos, e vinhos que representem muito bem o perfil de uma casta que não existe noutro país ou que representem um terroir específico. Peguemos, por exemplo, na Bairrada. Aqui, obviamente interessam-me vinhos da casta Baga, mas que eu sinta que foram feitos a partir de solos calcários, jamais um Baga trabalhado por barricas que acabam por esconder a identidade do terroir – isso não nos interessa. A partir daqui privilegiamos vinhos biológicos, biodinâmicos ou naturais. Ou seja, vinhos com pouca intervenção. Como diz um amigo jornalista: vinhos sem maquilhagem.
Como acha que vai evoluir o mercado dos vinhos naturais?
É uma tendência que veio para ficar. Consumo-os há 20 anos e no projecto temos vinhos naturais desde 1999. É uma tendência que vai ganhar mais adeptos porque as pessoas valorizam vinhos sem maquilhagem. E esses clientes, quando entram neste mundo dos naturais, não regressam aos vinhos industriais.
Mas este é um universo onde existem coisas estranhas para quem tenha uma cultura mínima de vinho.
Sim, é verdade. E para nós há uma fronteira muito rigorosa entre aquilo que é bem feito e aquilo que é mal feito. Sabemos que há uma tribo neste universo, mas vinhos que tenham demasiado ácido acético ou que tenham Brett [fenóis voláteis], isso não aceitamos. De modo algum. Uma coisa é alguma oxidação e evolução, outra coisa são defeitos.
Mas acha que os consumidores estão a fazer essa diferença entre o que é bem feito e o que é defeito?
Acho que tudo vai caminhar para um equilíbrio. Não acredito que alguém possa continuar durante muito tempo a beber vinhos que sabem a vinagre. Se ele gosta mesmo de vinho, a dado momento vai perceber onde está a tal fronteira.
Até porque um bom vinagre também exige intervenção.
Pois exige. Temos que contar com a inteligência das pessoas. Se é certo que haverá sempre uma tribo que vai beber de tudo, a maioria dos consumidores que bebe vinhos naturais já não compra gato por lebre. Como sou fã de vinhos de Jerez, gosto de vinhos oxidativos; como gosto de sidra, sou fã de acidez, mas não me venham vender uma sidra com oxidação, em modo de vinho natural e a um preço altíssimo.
Como vê o actual panorama dos vinhos portugueses?
Os vinhos portugueses encantam. Visito Portugal há muitos anos e, há cinco, com a compra de uma casa em Lisboa, as minhas estadias são mais prolongadas. Lembro-me do tempo em que, no Douro, quase só havia o Barca Velha e os Quinta do Côtto. E lembro-me do tempo em que o melhor Alvarinho era o Palácio da Brejoeira. O que aconteceu em Portugal, em tão pouco tempo, em todas as regiões, foi uma revolução, quer na parte da viticultura quer na enologia, na procura de vinhos singulares. Creio que há, agora, uma nova geração de produtores e enólogos ainda mais interessante porque, por um lado, estão a focar-se muito no conceito de terroir e na recuperação de castas esquecidas e, por outro, estão a reduzir a carga química, a reduzir a utilização das madeiras e a experimentar outras técnicas de fermentação. Mais importante do que as grandes regiões vitícolas em si, são os projectos com identidade muito própria em cada uma delas, criados por gente jovem que arrisca muito, por vezes em territórios em que ninguém acreditava.
Para si, que tem de explicar aos clientes muitos detalhes do vinho, esse trabalho de recuperação de mais castas desconhecidas não lhe dá ainda mais trabalho?
Dá, mas esse é o melhor desafio. Nunca me pareceu que fizesse sentido plantar castas estrangeiras em Portugal, ainda por cima num país riquíssimo em castas autóctones (mais rico do que Espanha). Quando eu estou em Portugal quero beber um Vital, e não um Chardonnay ou um Sauvignon Blanc.
Apresentar o Lavinia.pt em Lisboa com uma prova de vinhos doces de todo o mundo foi uma espécie de provocação no país do Porto, do Madeira, do Moscatel e do Carcavelos?
Oh, não, de modo algum. O meu pensamento foi o seguinte: depois da prova do Telmo Rodriguez e da prova do Dirk Niepoort, duas superestrelas que exploram muito bem o conceito de terroir, o que é que eu — pobre de mim — poderia fazer? O que é eu poderia ensinar? Seria fácil fazer uma prova com vinhos icónicos de todo o mundo, mas o Lavinia não é nem será um projecto para novos-ricos. Isso não nos interessa. E foi então que me ocorreu a ideia de, no país dos grandes vinhos doces, mostrar outros vinhos doces que representassem o mapa-mundo do vinho e que estão à distância de um clique por preços não necessariamente caros. Em todo o mundo fazem-se vinhos doces maravilhosos.
Isto numa altura em que as vendas de vinhos doces estão em queda.
Pois estão, mas repare que eu vendo uns milhares de garrafas de Moscato d'Asti, que é um vinho doce [italiano] honrado. O segredo é, como noutro tipo de vinhos, encontrar marcas que façam os melhores Moscato d'Asti. E para esses vinhos há sempre mercado. Sim, já se vendeu mais Sauternes, Tokjai, Jerez ou Porto, mas os vinhos doces estarão sempre presentes para um público que tem preocupações gastronómicas porque são fundamentais nas harmonizações com comida. Se quisermos comparar o mundo do vinho com a música, eu diria que os vinhos doces tanto são música barroca, flamenco ou jazz. Os vinhos doces são música clássica. Não são populares como a Shakira, mas nunca desaparecerão. Nunca.
Quem quiser conhecer o catálogo dos vinhos desta cadeia (vinhos estrangeiros e portugueses) pode fazê-lo através do site da Lavinia. São cerca de 2500 referências de 20 países.