Mercado da habitação de Portugal é pouco sincronizado

Quer com os países da União Europeia, quer internamente, e apesar de fenómenos que envolvem globalmente os mercados, os preços da habitação em Portugal comportam-se de maneira muito assíncrona.

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Os investigadores do estudo promovido pela FFMS identificaram os mercados de Lisboa, Porto e Faro como três clusters a ditar as tendência Adriano Miranda (Arquivo Público)

Depois de a crise financeira e das dívidas soberanas se ter instalado na Europa e se ter começado a assistir à recuperação das economias e dos mercados, coincidentemente ou não, foi-se também assistindo ao crescimento dos índices de preço da habitação. Instalou-se o tema da financeirização do mercado, e a constatação de que a habitação passou a ser muito mais do que um bem de consumo (no caso, um bem essencial e um direito constitucionalmente garantido) para ser também um activo de investimento, um bem transaccionável com um comportamento muito parecido ao que têm os activos financeiros.

A existência de investidores globais nos mercados de habitação sugere que estes podem influenciar o preço da habitação – e acentuar os problemas de acessibilidade à compra de casa, um facto que se está a verificar em Portugal e globalmente. Sabendo-se que os mercados financeiros estão altamente integrados, o estudo da sincronização de preços entre os diferentes mercados de habitação pode, por isso, dar pistas para antever tendências e perceber até que ponto os mercados financeiros globais são determinantes na formação dos preços.

E como é que o comportamento do mercado imobiliário português em comparação com o resto da Europa? A economista Vera Gouveia Barros propôs-se a encontrar respostas, recorrendo à metodologia em que os investigadores da Universidade do Minho Luís Aguiar-Conraria e Maria Joana Soares se especializaram, a análise wavelet. Num dos capítulos do estudo O Mercado Imobiliário em Portugal, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), aqueles três economistas analisaram os dados disponíveis desde 1988 até 2020, para concluir que o mercado imobiliário europeu é, ele próprio, assíncrono. Ou, sintetiza Vera Gouveia Barros, “não anda tudo exactamente na mesma onda”.

Por maioria de razão, o mercado em Portugal não está sincronizado com a maior parte dos países europeus – o que explica, por exemplo, o facto de os preços da habitação já terem começado a descer na maior parte dos países europeus, e em Portugal continuarem em subir.

Importa expor a metodologia, porque ela ajudará a perceber as conclusões. Imaginemos um estádio de futebol, e o movimento que os adeptos fazem na bancada, simulando uma “onda”. Esta é, porventura, a forma mais simples de explicar a metodologia wavelet, aplicada aos preços residenciais, que demonstra que os preços sincronizados não têm necessariamente de ser simultâneos. No estádio, enquanto uns adeptos estão de pé, outros estão sentados. Quando um elemento se levanta, gera o mesmo movimento no vizinho do lado. E, pensando no estádio, o tempo que a onda demora a percorrer os anéis inferiores é menor do que aquele que demora nos anéis cimeiros.

“A metodologia wavelet permite apanhar estas subtilezas, permite perceber em que prazo é que os preços estão sincronizados. Daí falarmos da baixa frequência e da alta frequência, relacionando isso a longo prazo e a curto prazo”, explica a investigadora, que está a fazer um doutoramento na área da Economia do Turismo, tendo sido o turismo que a trouxe a estudar a habitação.

Para realizar uma análise entre países, e detectar quais os mercados internacionais mais interligados com o mercado português, é condição essencial ter um conjunto de dados sobre os preços da habitação tão homogéneo quanto possível. Por isso, a amostra analisada pelos investigadores acabou por incidir em apenas 11 países: Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Países Baixos, Espanha, Suécia e Reino Unido.

No estudo, os investigadores encontraram muita sincronização com o mercado espanhol, sincronizações pontuais com Reino Unido e França em ciclos curtos, e com Itália em ciclos longos, mas que não se verificam desde 2004. O curioso é que no caso da sincronização com os preços espanhóis foi Espanha a liderar o movimento. Com os mercados italiano, francês e britânico foi Portugal a liderar.

“O facto de Portugal não estar sincronizado com a maioria dos países não foi propriamente uma surpresa... O mais espantoso foi encontrarmos alguns casos em que existe sincronização e que foi Portugal a liderar esse movimento. Aí, sim, confesso, foi surpreendente”, reconhece ao PÚBLICO Vera Gouveia Barros.

Foram analisados os dados desde o primeiro trimestre de 1988 até ao primeiro trimestre de 2020 e identificados dois ciclos principais – o primeiro com um período de cerca de nove anos, e o segundo com cerca de 14 – que percorrem quase toda a amostra. Foi identificado ainda um ciclo mais curto, de quase quatro anos, entre 2008 e 2012, que corresponde à crise financeira internacional e à subsequente crise da dívida soberana.

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Vera Gouveia Barros afasta, por enquanto, a ideia de bolha: “Honestamente, não vejo sinais disso." Em Portugal, explica a economista, "o rácio entre o preço do metro quadrado na venda e o preço do metro quadrado no arrendamento tem estado estável, não está a subir”. Pedro Fazeres (Arquivo Público)

Portugal também cria tendências

Nas conclusões do estudo publicado pela FFMS, lê-se que o país mais sincronizado com Portugal é Espanha, quer ao longo do tempo, quer em ciclos de diversas durações. A sincronização com Reino Unido e França foi significativa essencialmente por volta de 2008, e num movimento que corresponde a ciclos económicos com duração de dois a quatro anos. A relação encontrada com os preços italianos deu-se apenas em ciclos longos, acima de dez anos, mas não vai além de 2004.

A investigação publicada não avança com nenhuma explicação para estes ciclos. “Este estudo deixou-nos mais perguntas e pistas de investigação do que respostas”, admite Vera Gouveia Barros. Uma das pistas de investigação que sugere ser interessante seguir é, “por exemplo”, a questão da imigração. Nos Censos 2021 temos dados das compras por não-residentes, mas é um critério de residência, não é um critério de nacionalidade.

“Se um francês está cá a trabalhar e comprar cá uma casa, ele vai entrar nos residentes. Era interessante termos acesso a esses dados mais desagregados, mais finos, para percebemos exactamente qual é a situação das pessoas. Quem são estes compradores? Qual a sua nacionalidade? Qual a sua situação perante o emprego?”, argumenta a investigadora. “Quando estudei Economia e se falava em factores de produção fixos e móveis, o trabalho era, tipicamente, um factor fixo. Estava num lugar. Hoje em dia, isso já não é verdade. O capital circula, mas o trabalho circula também”, advoga.

Há, no entanto, alguma facilidade em adivinhar as razões de sincronização com Espanha. “Temos muitas relações. São ambas economias do Sul, os dois países passaram por um período de assistência ao mesmo tempo”, argumenta. E porque é que em Espanha a bolha imobiliária explodiu, e em Portugal não? “Porque tínhamos situações muito distintas. A crise em Espanha deu-se muito por causa do mercado imobiliário, e por causa desse movimento especulativo. Em Portugal, o aumento dos juros também trouxe problemas, e as famílias tiveram dificuldade em pagar as prestações, houve famílias a entregar casas, os preços também desceram. Mas cá, ao contrário de Espanha, a compra de habitação foi essencialmente por motivo, não de investimento, mas de consumo”, arrisca dizer Vera Gouveia Barros.

E poder-se-á dar o caso de, desta vez, com a actual crise, ser Portugal a liderar a tendência e ser o primeiro na Europa a sofrer uma crise, ou uma explosão dos preços, como há analistas a prever? “É preciso provar primeiro que estamos numa bolha e, honestamente, não vejo sinais disso. A habitação é um bem de consumo, e nós temos forma de aferir o seu valor de uso, através das rendas. E o que nós vemos em Portugal é que o rácio entre o preço do metro quadrado na venda e o preço do metro quadrado no arrendamento tem estado estável, não está a subir”, adianta.

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Cada cidade é um caso

À semelhança do trabalho que realizaram com os dados dos índices de preços residenciais em 11 países, os investigadores aplicaram a metodologia wavelet para analisar os dados nas cidades portuguesas em que também havia dados disponíveis. E concluíram que o mercado imobiliário português é segmentado, e regionalmente heterogéneo. E que, tal como não há sincronização com o mercado global europeu, também não há sincronização dos preços da habitação entre as várias cidades portuguesas. “Somos um país muito desigual”, resume a economista.

Os investigadores encontraram os mercados de Lisboa, Porto e Faro como três clusters, a ditar as tendências, e dois subclusters bem mais “surpreendentes”, e com uma relação que o estudo não conseguiu clarificar. “Encontrámos relações entre Leiria e Viseu e entre Viana do Castelo e Beja. Procurámos perceber se a distância ou a dispersão geográfica poderiam justificar algum efeito de contágio, mas não detectámos nenhum critério. No final, até pode ser uma correlação espúria”, admite Vera Gouveia Barros, lamentando que, em Portugal, se fale sempre dos problemas do mercado da habitação pelo prisma das cidades de Lisboa ou Porto.

Ficou-lhe, porém, uma certeza. “Se há muitas diferenças entre as regiões, as políticas públicas neste domínio também têm de ser pensadas ao nível local, de forma a dar resposta à realidade específica de cada uma das regiões.”

Voltando a frisar que o estudo desenvolvido deixou mais perguntas e pistas de investigação do que respostas, a economista defendeu a necessidade de se poder estudar a sincronização de preços ao nível das cidades europeias.

“Não encontrámos sincronização entre países, mas se calhar íamos encontrar entre cidades. O problema é que não há dados fiáveis, e comparáveis, para fazer esse estudo.” Porventura, será aí que se encontrarão dados estatísticos a demonstrar a importância da financeirização, e dos investimentos financeiros, na formação dos preços residenciais de cada cidade.

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