Os amores dos nossos filhos
Os irmãos funcionam para os pais como vigilantes, não para espiarem ou fazerem queixinhas, mas porque se alguma coisa correr mesmo mal dão o alerta. De forma mais ou menos subtil, mas dão.
Querida Mãe,
Hoje faço 20 anos de namoro com o meu marido. Agora, como mãe de filhas de 12 anos, começo a compreender de uma maneira diferente como a mãe se deve ter sentido quando eu, aos 16, anunciei que tinha um namorado de 29 anos.
Na altura, tinha tanta certeza de ser madura e crescida (e devia ter alguma razão porque a verdade é que escolhi muitíssimo bem!), mas agora que vejo com olhos de mãe tudo me parece diferente! Como é que a mãe lidou tão bem com a notícia?
Ainda não tive essa experiência com os meus filhos, por isso preciso da sua sabedoria. Explique-me: como é que se lida com os namorados que nos apresentam? E, principalmente, se não se gosta deles? Acha que há diferenças entre a forma como lidamos com estes assuntos, conforme é um filho ou uma filha que está em causa?
Conte-me tudo!
Querida Filha,
Parabéns, parabéns! Podia ter ficado com os teus filhos para irem jantar juntos, era o mínimo. Mas como não fiquei, escrevo-te uma carta.
Lembro-me muito bem do dia em que nos anunciaste o acontecimento, e me pus a fazer as contas às diferenças de idade — sabes que nunca fui boa a matemática —, enquanto cá em casa se perguntavam se não era melhor fazer uma queixa por desvio de menores. A atenuar o choque, houve três fatores, que passo a enumerar, e que talvez respondam de uma vez a todas as tuas perguntas.
Não achei que era para a vida. É claro que uma mãe sensata não diz isso a uma filha ou a um filho apaixonado porque sabe que, para eles, aquele é o seu único e verdadeiro amor, mas mantém a reserva.
Trata-o/a como a qualquer outro amigo/a que apareça lá por casa. Tenho horror a pais que gostando do namorado/a dos filhos partem do princípio que os amores dos adolescentes vão dar em casamento e os querem cooptar imediatamente para a família, tornando depois mais difícil uma ruptura. Tanto como aqueles que encenam um Romeu e Julieta, acabando por empurrar os filhos para relações que, se os deixassem em paz, morreriam por si mesmas.
Confiava em ti. Se já tinhas idade para ter uma mota (assunto que merece só por si uma birra), esperava que tivesses cabeça suficiente para gerir os teus amores. Eras, de facto, madura e crescida, mesmo que ainda tivesses muito que aprender.
Não me parece que os pais devam ser os confidentes dos filhos, muito menos nestes assuntos, mas sentia que tínhamos uma relação suficientemente sólida para acreditar que se precisasses de conselhos e ajuda não hesitarias em pedi-los. Essa confiança vai-se construindo desde o berço, mas é claro que não só pode conhecer altos e baixos, como sobretudo tem de ser merecida. De parte a parte.
Tinhas irmãos. Parece que não vem ao caso, mas vem. Os irmãos funcionam para os pais como vigilantes, não para espiarem ou fazerem queixinhas, mas porque se alguma coisa correr mesmo mal dão o alerta. De forma mais ou menos subtil, mas dão.
Lembro-me sempre de ti, com 16 anos e da tua irmã, com 13, deitadas na mesma cama com um bloco e um lápis na mão. Berrei-vos (sim, eu berrava muito!) para apagarem a luz, mas vocês pediram só mais um minuto (pedem sempre), porque desta vez era um assunto realmente urgente. Quando cheguei mais perto percebi que estavam a desenhar um vestido de noiva, urgentíssimo, portanto. Qual é a moral da história, a cumplicidade destas pequenas coisas é um seguro de vida.
A última pergunta: reagimos de maneira diferente com um filho ou uma filha? Sinceramente julgo que não. Para dizer a verdade, como mãe e como tia sempre senti muito mais facilidade em lidar com os vossos desgostos de amor do que com os deles.
Tenho muito mais coisas a dizer sobre este assunto, mas deixo-as para uma próxima carta, não te posso ensinar tudo hoje.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.