Subida dos juros força famílias a mudar para casas mais pequenas

Empréstimos elevados têm pouca margem para reduzir prestação através da renegociação dos contratos. Transferências e consolidações de créditos também estão mais difíceis.

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Taxas de juro negativas facilitou compra de casas de preço mais elevado, mas que agora são mais difíceis de pagar Daniel Rocha

A Margarida e o João idealizaram uma casa, compraram um terreno e mandaram-na construir, recorrendo a um empréstimo bancário ligeiramente acima dos 300 mil euros. A prestação, da ordem dos 900 euros, era comportável com o rendimento dos dois. Agora, confrontados com um aumento da prestação em cerca de 500 euros, por causa da subida da Euribor, o encargo com o empréstimo só será conseguido “abrindo mão de muita coisa”, numa altura em que a família aumentou há pouco tempo, com o nascimento de um filho.

A renegociação do empréstimo, contratado quando a Euribor se encontrava em valor negativo, não permite reduzir muito à nova prestação, por isso a Margarida e o João já tomaram a decisão de colocar a casa à venda, apesar do quanto gostavam dela e da vista de mar. Esta situação, relatada ao PÚBLICO, é verdadeira.

Como também é real o relato de outra situação, o de Augusta, que esta semana recorreu a uma mediadora para vender o apartamento onde reside actualmente, de dimensão considerável, para comprar outro mais pequeno, mais barato. A razão, avançada ao PÚBLICO pelo mediador imobiliário, é a mesma, a dificuldade em acomodar o aumento decorrente da subida das taxas Euribor.

E não foi preciso procurar muito para encontrar outras situações de dificuldade em pagar os empréstimos, por parte de pessoas que tinham cargos de chefia e deixaram de ter, ou de comissões que “encolheram”.

Apesar de não haver números disponíveis, e da troca de casa ser uma operação frequente, as situações actuais são ditadas, essencialmente, por parte de quem pretende reduzir os encargos com a casa, adquirida com recurso a crédito. É uma situação distinta da verificada em 2020, quando surgiu a pandemia de covid-19, em que o mercado imobiliário registou um elevado número de trocas, mas nesse caso em sentido contrário, ou seja, a procura de apartamentos maiores, com varandas, e moradias, com jardins.

A rapidez com que as casas vão passar a ser vendidas é uma incógnita. O mercado imobiliário residencial tem registado uma procura superior à oferta, incluindo por parte de investidores estrangeiros, o que explica o forte crescimento dos preços nos últimos anos. Mas os primeiros sinais de compras a crédito são de ligeiro abrandamento.

Transferências de crédito mais difíceis

Para quem pretende comprar casa com recurso a crédito, o actual nível das taxas de juro e os limites impostos pelo Banco de Portugal (BdP), nomeadamente quanto à duração dos empréstimos (em função da idade dos particulares) e à taxa de esforço (percentagem de rendimento absorvido pelo serviço da dívida), entre outros, dificultam o processo.

No caso dos empréstimos com taxa variável, ou seja, associados às Euribor, as regras em vigor implicam o cálculo da taxa de esforço num cenário de subida ainda mais acentuada, o que implica a soma de mais três pontos percentuais ao valor em vigor no momento da contratualização. No momento actual, com as médias de Dezembro da Euribor a seis e 12 meses em 2,732% e 3,018%, respectivamente, a taxa de esforço tem de ser calculada com taxas de 5,7% e 6%, o que, apesar de se tratar de uma simulação, pode limitar significativamente a capacidade de endividamento dos particulares.

Também as transferências de crédito à habitação, com ou sem consolidação de outros empréstimos ao consumo, estão mais difíceis. E há mais particulares a recorrer a esta possibilidade, averiguou o PÚBLICO junto de um intermediário de crédito especializado e de uma mediadora imobiliária, com autorização para a intermediação de crédito. E esse aumento de procura é explicado pela subida das taxas de juro, mas também pela diminuição do rendimento disponível, tendo em conta a subida da inflação.

A dificuldade está no facto de as transferências de crédito serem consideradas novos empréstimos, o que obriga ao cumprimento das normas impostas na medida macroprudencial para o crédito do Banco de Portugal, em vigor desde 2018. Nomeadamente a limitação da duração do empréstimo, a relação garantia do imóvel/financiamento, que não pode ultrapassar os 90%, ou ainda o cálculo da taxa de esforço, que no caso de ser associada às Euribor tem de ser feita com base na taxa actual e com o acréscimo de três pontos percentuais.

A juntar a isso, a maioria das instituições suporta boa parte dos custos de transferência do crédito, mas apenas para operações superiores a 100 mil euros. E há particulares com créditos à habitação mais baixos, mas muitas vezes com outros empréstimos ao consumo, com dificuldade em suportar os encargos financeiros assumidos, e dificuldades em transferi-los, mesmo com a isenção temporária (até ao final de 2023) da comissão de resgate antecipado, prevista no Decreto-Lei 80-A/2022.

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