Não são só os príncipes Harry e William que andam à briga e discutem pela sucessão. Ana e Maria Bolena debateram-se para decidir quem casava com Henrique VII de Inglaterra. A primeira-dama norte-americana Jackie Kennedy e a irmã Lee Radziwill ficaram famosas pelas suas brigas. E há quem tenha levado as disputas a outros níveis. Em Portugal, ficam para a história D. Pedro IV e D. Miguel pelas lutas entre absolutistas e liberais, responsáveis pela primeira e única guerra civil.
O infeliz casamento de D. João VI com a espanhola Carlota Joaquina ficou célebre e sabe-se que o ódio entre marido e mulher poderá ter levado ao envenenamento do rei por intoxicação de arsénio (apesar de não se conseguir provar o autor do crime). É o primeiro regicídio em Portugal, como se descobriu em 2000, quando o corpo do rei foi exumado, 174 anos depois da sua morte. “Há uma diferença profunda entre a quantidade de arsénio que se encontra numa pessoa normal e a das vísceras de D. João VI”, explicou, então, o médico legista Armando Santinho Cunha ao PÚBLICO.
A relação atribulada entre os pais reflectiu-se na infância dos filhos que se diz terem sido obrigados a escolher entre pai e mãe, quando os reis se separaram e começaram a viver em casas diferentes. D. Pedro tinha 9 anos e Miguel 5, no momento em que a família é obrigada a fugir para o Brasil, em 1807, na sequência das invasões francesas.
No Brasil, dizem os historiadores, os príncipes cresceram com grande liberdade e uma educação pouca cuidada, sem preparação para o futuro papel que Pedro assumiria como herdeiro da coroa de ambos os reinos, Portugal e as terras de Vera Cruz. Uma das brincadeiras favoritas dos dois irmãos seria mesmo formar batalhões de criados e travar guerras um contra o outro — um presságio do futuro.
De acordo com relatos históricos, é possível perceber que Miguel era cultor da destreza física, da equitação, das corridas de cavalos, da caça, dos banhos de mar e dos grandes espaços. D. Pedro sempre foi mais ligado ao Brasil e quando a família é obrigada a regressar em Portugal, não quis acompanhar o pai, nem aceitou a exigências das cortes em Lisboa para que voltasse. Em 1822 é ele o responsável por declarar a independência da antiga colónia.
Pedro torna-se, assim, imperador do Brasil e o irmão, que não desejava vê-lo no poder em dois reinos, revolta-se em Portugal, naquele que é o primeiro assalto ao poder. As revoltas de D. Miguel culminariam na célebre Abrilada, em Abril de 1824, quando o infante, que tinha sido nomeado generalíssimo do exército, prendeu uma série de personalidades civis e militares, cercando mesmo o pai, D. João VI, no Palácio da Bemposta.
A guerra
O conflito, salvo pelas tropas estrangeiras em Portugal, termina com o exílio de D. Miguel, que parte em direcção a Viena da Áustria, sem cessar, todavia, as investidas para retirar o irmão da sucessão ao trono de Portugal. A morte de D. João VI, em 1826, vem agudizar as tensões. Numa tentativa de apaziguar o irmão, D. Pedro abdica da coroa portuguesa em favor da filha Maria da Glória — a futura D. Maria II.
E até se pensou noutra solução: a menina com apenas 7 anos deveria casar-se com o tio para que este ficasse temporariamente regente, caso aceitasse a Carta Constitucional. O plano estava em marcha e D. Miguel regressa do exílio para cumprir o acordo. Assim que chega a Lisboa dá o dito por não dito e proclama-se rei absolutista de Portugal, provocando um terramoto político. Acabará por reinar entre 1828 e 1834.
Pedro, apoiado pelos liberais, abdica do império do Brasil a favor do filho e regressa a Portugal, procurando encontrar apoio para expulsar o irmão do poder e dar o trono a quem de direito. É na liberal ilha Terceira, nos Açores, que encontra auxílio. Reúne as tropas e desembarcam na praia do Mindelo, Vila do Conde, em Julho de 1832. Aí, a luta entre irmãos irá eclodir na guerra civil.
Uma guerra desigual já que o exército de Pedro tinha 7500 homens e o de Miguel, rei de Portugal, ultrapassava os 80 mil soldados. Depois de várias batalhas, os liberais vencem os absolutistas na Asseiceira, em Tomar. D. Miguel rendeu-se e assinou a convenção de Evoramonte, que determinava que o seu regresso definitivo ao exílio — primeiro em Roma, mais tarde em Londres e, finalmente, na Alemanha, depois do casamento com a princesa Adelaide de Lowenstein.
Não se sabe o que terá acontecido à relação dos dois irmãos depois da partida de Miguel para o estrangeiro, se calhar o mesmo que a William e Harry, desde que o duque de Sussex se mudou para os Estados Unidos há praticamente três anos. O livro de memórias de Harry, Na Sombra, chega às livrarias na próxima terça-feira e promete polémicas revelações sobre a família real britânica, incluindo a descrição da agressão física entre os irmãos.