No fim de Harry & Meghan, príncipe William vê-se retratado como o inimigo

Na série da Netflix, revela-se a gota de água para a saída dos duques do Reino Unido: a indiscrição do pai, agora rei Carlos III, somada à mentira criada para proteger o irmão, William.

família real britânica
Fotogaleria
A pressão dos media, dizem na série, arrastou Meghan para uma depressão Reuters/TOBY MELVILLE/arquivo
meghan-markle,celebridades,impar,kate-middleton,familia-real-britanica,monarquia,
Fotogaleria
Meghan e Harry Reuters/HANNAH MCKAY
meghan-markle,celebridades,impar,kate-middleton,familia-real-britanica,monarquia,
Fotogaleria
Meghan e Harry no dia do casamento Reuters/DAMIR SAGOLJ
meghan-markle,celebridades,impar,kate-middleton,familia-real-britanica,monarquia,
Fotogaleria
Harry com o pai, Carlos, e o irmão, William Reuters/ANDY METTLER

“Foi assustador assistir ao meu irmão a gritar comigo, o meu pai a contar mentiras e a minha avó ali sentada sem dizer nada e a processar tudo.”

A descrição de Harry, na série documental da Netflix Harry & Meghan, que estreou, nesta quinta-feira, os últimos três episódios, é do encontro à porta fechada que aconteceu em Sandringham, propriedade da qual o príncipe até então só tinha “felizes” memórias (“Era lá que passávamos sempre o Natal”). Avó, pai e irmão receberam-no depois do anúncio dos duques de Sussex em que manifestavam a vontade de ser financeiramente independentes da coroa e viver no Canadá, mas continuar a apoiar a rainha.

Um anúncio que, relatam, se viram forçados a fazer depois de a intenção, sobre a qual apenas Carlos tinha conhecimento, ter ido parar aos jornais. Explica Harry: “Tornou-se claro que a instituição tinha divulgado o facto de nos querermos mudar para o Canadá. E o elemento principal que me fez perceber que o conteúdo da carta para o meu pai tinha ido parar à imprensa foi a referência à renúncia dos títulos. Foi isso que o denunciou.”

E o príncipe insiste que a avó sabia que eles estavam a ter problemas e que apenas não se reuniu com a monarca por ter sido impedido. Ainda assim, desabafa: “A parte mais triste foi a divisão que isto criou entre mim e o meu irmão.”

Na véspera da reunião, a 12 de Janeiro, o The Times escrevia: Prince William on Harry and Meghan crisis: “I’ve put my arm around my brother all our lives. I can’t do it any more” (Príncipe William sobre a crise de Harry e Meghan: ‘Sempre apoiei o meu irmão. Não o posso continuar a fazer’). E, no dia do encontro em Sandringham, saiu um artigo que alegava que parte do motivo para o casal ter decidido sair era a atitude de bullying de William.

“Mal entrei no carro, depois da reunião, falaram-me de um comunicado conjunto divulgado em meu nome e do meu irmão a negar a notícia sobre ele nos ter intimidado até deixarmos a família”, recorda Harry. “Não podia acreditar. Ninguém pediu a minha opinião. Ninguém me pediu autorização para pôr o meu nome naquele comunicado. Liguei a M., contei-lhe e ela só chorava porque, em quatro horas, não se importaram de mentir para proteger o meu irmão, mas, em três anos, nunca quiseram dizer a verdade para nos protegerem.”

Fica claro que terá sido essa a gota de água para os duques escolherem virar costas aos deveres reais e à família. “Foi aí que se fez o clique: ‘Isto nunca vai parar’”, sublinha Meghan. Harry resume: “Já não havia outra opção. Eu disse: ‘Temos de sair daqui.’”

Meghan, a salvação da monarquia?

A imagem de William não é apenas atacada a propósito da reunião em Sandringham. Apesar de se referir ao irmão como alguém que já interiorizou a ideia de defender a instituição, a série recupera fotografias da digressão dos duques de Cambridge às Caraíbas, perturbada por uma série de protestos que reclamavam reparações pela escravatura. E, com isso, passa a mensagem de que o casal não desempenha as suas funções tão bem como Harry e Meghan poderiam fazer.

“Um dos maiores argumentos a favor da monarquia neste país é a Commonwealth”, que “tem 2,5 mil milhões de pessoas, na maioria negras e mestiças”, lembra o historiador David Olusoga, destacando que “ali estava uma mulher [Meghan] que se parecia com a maioria das pessoas da Commonwealth”.

Um ponto, na sua opinião, que deveria ter sido positivo para a duquesa, já que, “sempre que um membro da família real visita um destes países, cria momentos constrangedores para o governo britânico”, aponta a escritora e radialista britânica Afua Hirsch. “Uma das grandes questões neste Reino Unido moderno é: o que queremos escolher como símbolos e instituições?”, questiona a ex-jornalista, frisando que “a relação deles [Harry e Meghan] mostrava que o Reino Unido podia mudar, que as partes mais obstinadas e tradicionais do país podem evoluir”.

Harry também está convencido de que Meghan era a pessoa perfeita para representar a coroa: “Qualquer um no sistema (…) já perdeu uma enorme oportunidade com a minha mulher e o impacto que ela podia ter tido no mundo.”

Mas houve quem discordasse. E recorda-se a viagem de Harry e Meghan à Austrália, em que a popularidade do casal junto do público não foi bem acolhida pelos restantes membros da família. Uma amiga avalia que "o Palácio se sentiu muito ameaçado com isso" e Harry lembra que o mesmo aconteceu com a mãe, Diana, que ofuscou a popularidade do príncipe de Gales. E, a partir daí, começaram a sair notícias a atacar a imagem de Meghan e benéficas para Kate: se a primeira mostrasse o ombro, era uma falha de protocolo; se fosse a segunda, era elegante.

E deixa no ar a ideia de que o gabinete de comunicação de William estaria a trabalhar contra Meghan. "É um jogo sujo. Há fugas, mas há também divulgação de histórias", disse Harry. "Ou seja, se a equipa de comunicação quiser remover uma história negativa sobre quem representa, irá negociar [com os media] e dar-lhes algo sobre outra pessoa."

Os tablóides arrasaram Meghan

A pressão dos media, dizem, arrastou Meghan para uma depressão, ao ponto de equacionar o suicídio: "Eu pensei: 'Isto acaba tudo se eu deixar de estar aqui'. (...) Foi um pensamento tão claro." A mãe, Doria, corrobora a intenção da duquesa, não contendo as lágrimas: "Lembro-me de ela me contar isso. Partiu-me o coração."

A gota de água foi a publicação da carta que Meghan escreveu ao pai e que levou o casal a agir por conta própria, contra a política "sem comentários" dos Windsor, sobretudo depois de a duquesa ter sofrido um aborto espontâneo.

"Creio que a minha mulher sofreu um aborto espontâneo por causa do que o Mail fez", acusa o príncipe. "Eu assisti a tudo. Sabemos de certeza que o aborto foi causado por isso? Claro que não sabemos. Mas tendo em conta o stress que causou, a falta de sono e o momento da gravidez — de quantas semanas estava — posso dizer, pelo que vi, que o aborto foi provocado pelo que lhe estavam a tentar fazer."

O processo legal contra o Mail on Sunday foi em frente e Meghan viria a sair vencedora.

Mas o casal não se satisfez com a saída do Reino Unido e sentiu necessidade de dar explicações ao público. Foi por isso, alegam, que aceitaram dar uma entrevista a Oprah, da qual imaginavam se destacaria a luta de ambos pela saúde mental. Mas foi a questão do racismo que ganhou relevância.

Pouco tempo depois, Harry regressou ao Reino Unido para o funeral do avô, situação que recorda como difícil, especialmente o tempo que passou com o irmão e o pai, que acusa de terem ficado presos à mesma "má interpretação de toda a situação".

"Nenhum de nós queria falar [sobre a entrevista] no funeral do meu avô, mas falámos. Tenho de aceitar o facto de que [o meu pai e o meu irmão] nunca se vão responsabilizar nem fazer um pedido de desculpas genuíno."

Sugerir correcção
Ler 8 comentários