A Cooperativa de Favaios vai investir 1,2 milhões de euros na ampliação da sua adega, para melhorar as condições de produção dos vinhos tranquilos e continuar a diversificar a sua oferta. A obra, que será em parte financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência português, também permitirá preparar um futuro "que trará mais uvas" (a adega tem lista de espera para a entrada de novos associados e há vários lavradores a reestruturar vinhas no planalto de Alijó). Arrancará no próximo ano, para estar concluída em 2024.
"Vamos fazer um novo pavilhão, com mais capacidade de fermentação, sobretudo para vinhos brancos. E esse é, para já, o nosso futuro imediato", revelou ao Terroir o presidente da adega, Mário Monteiro, sobre o primeiro de vários investimentos previstos para os próximos anos na Adega Cooperativa de Favaios. O novo pavilhão e o equipamento que lá será colocado representam a primeira de cinco fases de renovação da adega que celebrou 70 anos em Novembro.
"Numa segunda fase, teremos também a ampliação da capacidade de armazenamento. O espaço, neste momento, é exíguo, é muito curto. Depois, renovaremos a recepção das uvas, queremos torná-la capaz de receber uvas de vindima mecanizada, que o futuro aqui no planalto vai passar por aí. Começa a haver já falta de pessoas para a vindima e com toda a certeza que os grandes agricultores, mais tarde ou mais cedo, irão fazer vindima mecanizada e nós teremos que estar preparados para receber essas uvas", adianta Mário Monteiro.
Essa fase implicará actualizar os tegões de recepção das uvas, que deixarão de colocadas e transportadas em caixas ou tinas e passarão a seguir em camiões basculantes que descarregarão directamente para os tegões. As uvas sofrerão algum esmagamento, mas o director de enologia da adega, Miguel Ferreira, fica descansado pelo facto de "quase todos os viticultores associados estarem muito próximo, num raio de 2 Km da adega".
Numa quarta e quinta fases, a direcção da Adega de Favaios quer investir, respectivamente, nas linhas de engarrafamento (há três, uma é exclusivamente dedicada ao famoso Favaíto) e num centro de visitas. Já existe um circuito organizado, com algumas peças em exposição e vistas para a produção, mas, neste caso, o projecto passa por valorizar o enoturismo, passando a fazer a recepção de turistas na adega original, uma vez libertado o edifício que ficou concluído em 1956, quatro anos depois da fundação da cooperativa.
A adega duriense, conhecida historicamente pelo vinho generoso feito da casta Moscatel Galego (o Clássico, engarrafado em formato 75 cl ou a miniatura nascida em 1985, mas também as categorias especiais), quer reduzir a dependência do licoroso e apostar no crescimento das vendas de DOC Douro. A fatia do vinho tranquilo tem vindo a crescer desde 2010, permitindo equilibrar um pouco a balança, mas ainda assim, "em valor, o Moscatel representa cerca de 65 por cento" do negócio, partilha Mário Monteiro.
No volume, a distribuição entre Moscatel e tudo o resto é mais equilibrada, mas é preciso valorizar esses outros vinhos. A adega recebe anualmente "11 mil pipas de vinho, [o que representa] pouco mais de 6 milhões de litros", explica Miguel Ferreira. Desse vinho todo, concretiza o enólogo, "o Moscatel representa mais ou menos 3 milhões de litros, o vinho do Porto 1,5 milhões de litros" (sendo que a maioria deste volume é vendido a granel, na adega só ficam "200 mil litros", que são engarrafados com a marca Monge) e o DOC Douro (Encostas de Favaios e Casa Velha) e o espumante "outro milhão e meio de litros".
Do Moscatel que sai da Adega de Favaios, o grande volume é Moscatel jovem, "que não é tão jovem como isso", já que tem "uma idade média de três anos", ressalva o técnico que dirige a equipa de que também fazem parte os enólogos Celso Pereira e Filipe Carvalho. O desejo da cooperativa é fazer "descolar" as categorias especiais do generoso (ao contrário do que acontece no vinho do Porto, no Moscatel do Douro ainda são os moscatéis correntes a dominar as vendas), como a edição comemorativa dos 70 anos (ler Crítica), recentemente lançada, e aumentar o preço dos tranquilos, cujas vendas deverão fechar o ano de 2022 a crescer 66 por cento.
Nos 22 anos que Miguel Ferreira leva de casa, a área de vinha de Moscatel Galego dos cooperantes da adega "passou de 400 para 600 hectares". Esses viticultores são actualmente "cerca de 500", o que representa um total de 1100 hectares de vinha no planalto. Onde não têm Moscatel Galego, foram plantando nos últimos anos outras castas, incentivados por direcção e departamento de enologia.
As castas do futuro
"O Gouveio é uma das castas de que mais gostamos e já incentivamos a sua plantação há muito, assim como o Viosinho", conta Miguel Ferreira, que em 2014 virou também viticultor e cooperante da adega. Esse trabalho de selecção e valorização (aquelas uvas passaram a ser mais bem pagas) começou com a entrada do enólogo e da sua equipa, em 2001. Depois, emergiram o Rabigato e o Arinto. E, mais recentemente, a aposta voltou-se para variedades mais invulgares, como o Samarrinho e o Donzelinho Branco.
"Tirando o Moscatel da equação, hoje em dia os nossos viticultores já tem mais destas castas do que das outras variedades brancas", regozija-se o enólogo, que sabe do que fala. Não só porque recebe as uvas, mas também porque estuda, há mais de uma década, as parcelas de alguns associados e vinifica mesmo em separado algumas variedades desses lavradores. O passo seguinte foi seleccionar viticultores que valia a pena "conhecer melhor". "Esse trabalho é mais recente, mas já dá origem aos nossos brancos Grande Reserva."
E, ainda sobre castas, a melhor prenda que adega e associados podiam receber pelos 70 anos da cooperativa foi a autorização, pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP), para utilização de Moscatel Galego Roxo nos vinhos da denominação de origem Moscatel do Douro. Apesar de existir em abundância e de ser do ponto de vista organoléptico idêntico ao Moscatel Galego Branco, o Moscatel Roxo estava proibido na vinificação e engarrafamento de Moscatel do Douro.
Não foi sempre assim, houve uma altura em que a legislação só falava em "Moscatel Galego", mas a partir do momento em que se passou a descrever esse Moscatel como branco o "outro" ficou automaticamente excluído. E o outro, o Roxo, está praticamente em todas as vinhas de Moscatel do planalto de Alijó, pelo menos, nas que têm mais de 15 anos.
O assunto foi sempre uma espécie de elefante na sala e estava já em discussão há algum tempo, a autorização chegou no final de Novembro, depois de o Conselho Interprofissional da região duriense (que reúne representantes da produção e do comércio) ter proposto ao IVDP a inclusão do "outro" Moscatel Galego nas especificações da denominação de origem Moscatel do Douro. Na Adega de Favaios há muitos anos que se fazem ensaios com a casta. Da vindima de 2023, a variedade já poderá ser engarrafada.
E a alteração traz outra vantagem. É que, como explica Miguel Ferreira, o Moscatel Galego Roxo é "mais resistente à seca e ao calor extremo" e "pode ser uma solução interessante no futuro face às alterações climáticas", nomeadamente para manter o tão apreciado "equilíbrio entre doçura e acidez" dos moscatéis de Favaios.
A acidez nos vinhos, já se sabe hoje, é uma das características que ficam ameaçadas num contexto de crise climática e a maturação mais lenta do Moscatel Roxo faz com que esta uva conserve melhor a sua acidez natural. "Tenho quase a certeza de que vai ser uma parcela importante no futuro. Nem será preciso nós incentivarmos, vai haver associados que o vão fazer [plantar mais Moscatel Galego Roxo] por conta própria, porque eles sabem que é mais resistente, eles sabem", nota Mário Monteiro.
Outra consequência de anos vitícolas exigentes como o de 2022 é uma redução da produção, mas no planalto de Alijó, para além de a casta-rainha ser uma variedade produtiva, chove mais e os solos, cascalhentos mas férteis e fundos, retêm essa água, o que faz com que a produtividade por hectare seja ali mais elevada do que noutras partes do Douro.
A Adega de Favaios é líder nacional em moscatéis e só de Favaíto vende 32 milhões de garrafas por ano. A cooperativa, que "teve sempre resultados positivos", fecha o ano com 17 milhões de euros de facturação, mais dois do que em 2021. Exporta 15 por cento da sua produção (a meta nos próximos anos é vender lá fora 25 por cento), maioritariamente Moscatel ("entre 80 e 90 por cento"), e está presente em 26 países.
Nome Moscatel Adega de Favaios Edição Comemorativa 70 A
Produtor Adega Cooperativa de Favaios
Castas Moscatel Galego Branco
Região Douro
Grau alcoólico 18,72 por cento
Preço (euros) 150
Pontuação 97
Autor Pedro Garcias
Notas de prova Os mestres dos lotes raramente aparecem nas fichas técnicas dos vinhos fortificados. Mas o que eles fazem, criar um vinho com um perfil bem específico a partir de diferentes colheitas, é arte pura. Extrair o melhor de cada colheita para obter um vinho que seja mais do que uma mera soma das partes requer grande memória, sensibilidade e um apurado sentido de prova. O Moscatel 70 Anos da Adega Cooperativa de Favaios, criado a partir das melhores setes colheitas desde a sua fundação, uma por década (1964, 1975, 1980, 1999, 2007, 2011 e 2020), é um hino à arte de lotear vinhos e também ao verdadeiro moscatel do Douro. A casta Moscatel Galego, diferente da do Moscatel de Setúbal, encontrou na frescura da altitude (entre os 550 e os 600 metros) e nos solos férteis do planalto de Favaios-Alijó o lugar perfeito para expressar toda a sua riqueza aromática e frescor ácido. Ao contrário de outros vinhos fortificados, os grandes moscatéis, os mais duradouros, nascem muitas vezes de uvas a puxar mais para o verde do que para o maduro. Este 70 anos deve ter de tudo. De colheitas mais e menos maduras. Trata-se, afinal, de um vinho síntese, pensado para mostrar as diferentes nuances das colheitas que lhe deram origem e do próprio espectro do Moscatel Galego. E o que encontramos quando o levamos ao nariz e à boca é aquele gosto típico do moscatel mas num nível de concentração e complexidade elevados, simbiose de velho e novo. Uma sublimação de alguma líchia fresca, frutos secos, laranja cristalizada, mel, glicerina, especiarias e acidez vivificante. Tudo numa dose harmoniosa, bem longe tanto do perfil moscatel xaroposo, demasiado doce e concentrado, como do tipo moscatel delgado e pouco complexo. É tão bom que, mesmo quando o copo se esvazia, sobra um perfume delicioso que apetece ir sorvendo.