Como salvaguardar a herança dos filhos em caso de novo casamento
O que fazer nos casos em que um casal pretende celebrar novo casamento, mas assegurar que, por sua morte, o património é herdado pelos filhos e não pelo seu novo marido ou mulher?
Portugal é um dos países da OCDE com maior taxa de divórcios. De acordo com a Pordata, em 2020 o rácio de divórcios por cada 100 casamento alcançou 91,5, um salto muito significativo relativamente aos 61,4 registados em 2019.
Estes números refletem, indubitavelmente, um crescendo do número de divórcios de ano para ano, mas também uma diminuição do número de casamentos.
Em qualquer caso, a verdade é que o divórcio e os segundos casamentos são uma realidade de cada vez maior número de famílias portuguesas.
Ora, no caso de celebração de casamento quando já se tem filhos, fruto de uma anterior relação, surge muitas vezes a questão da salvaguarda do património que se pretende venha a ser herdado pelos filhos, e não pelo novo cônjuge. É que, com o casamento, os cônjuges tornam-se herdeiros – e herdeiros legitimários – um do outro. Os herdeiros legitimários são aqueles que não podem ser excluídos da herança, mesmo que o falecido tenha deixado testamento nesse sentido.
O que fazer, então, nestes casos, em que um casal pretende celebrar novo casamento, mas assegurar que, por sua morte, o respetivo património é herdado pelos filhos, e não pelo seu novo marido ou mulher?
Consciente que esta questão constituía um sério impedimento aos segundos casamentos, o legislador fez publicar a Lei n.º 48/2018, de 14 de Agosto, que passou a permitir que, antes do casamento, os cônjuges renunciem reciprocamente à qualidade de herdeiros legitimários um do outro. Tal só poderá suceder, todavia, se o regime de bens do casamento for o da separação. Desta forma, em caso de falecimento de um deles, serão os outros herdeiros – os filhos, designadamente – quem herdará o património do falecido, e já não o marido ou mulher sobrevivos.
Infelizmente, esta possibilidade de renunciar à condição de herdeiro não pode ser utilizada por quem já está casado. Os casados terão de se divorciar, celebrar uma convenção antenupcial onde acordem a renúncia, e casar novamente.
É de notar, todavia, que a renúncia, por si só, poderá não ser suficiente para acautelar que os cônjuges não virão a ser herdeiros um do outro. Na verdade, e como é habitual entre nós, a Lei n.º 48/2018 suscita dúvidas de interpretação e não é claro se, mesmo renunciando à condição de herdeiros legitimários, os cônjuges mantêm ou não a sua condição de herdeiros (legítimos).
Sem entrar em detalhes técnico-jurídicos que não teriam aqui cabimento, será suficiente referir que, a nosso ver, será prudente fazer acompanhar a renúncia de um testamento que reparta a herança pelos beneficiários que se pretende proteger: os filhos, no nosso exemplo.
Note-se ainda que, mesmo não sendo herdeiro, ao cônjuge sobrevivo poderão assistir alguns direitos sobre o património do falecido. Em determinadas circunstâncias, poderá haver lugar ao pagamento de uma pensão de alimentos por parte da herança; De igual forma, o cônjuge sobrevivo poderá ainda ter direito ao uso da casa de morada de família. Este direito de uso da casa será temporário, salvo nos casos daqueles com 65 ou mais anos de idade, em que é vitalício.
Sabendo-se que a casa é, muitas vezes, o bem material mais valioso das famílias, e aquele que pretenderam salvaguardar em caso de morte deixando-o aos filhos, consagrar um direito ao uso da mesma em favor do cônjuge sobrevivo parece ameaçar a finalidade que se pretendeu alcançar com a renúncia à qualidade de herdeiro.
Os casamentos parecem estar fora de moda, e não será esta alteração legislativa que fará inverter esta tendência. De qualquer forma, são de saudar todas as iniciativas legislativas que visem adequar o regime jurídico do casamento à realidade atual das famílias e aos seus legítimos anseios. Forçoso é que não se deixe sair pela janela aquilo que entrou pela porta, tal como parece suceder com os direitos conferidos ao cônjuge sobrevivo sobre a casa de morada de família que poderão pôr em causa a eficácia da renúncia.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990