Há um Qatar diferente nas lentes de quem cá vive
“O Qatar tem mais de bom do que de mau” e “é uma vergonha de cada vez que se abre uma notícia sobre Doha” são frases disparadas por portugueses que escolheram o país para serem felizes. E são.
“Não é um país perfeito, mas acredito que não exista nenhum que o seja. O Qatar consegue ter mais de bom do que de mau.” A frase é de Mónica Lima, portuguesa que vive no Qatar há quase 14 anos. Ao PÚBLICO, diz que aquilo que tem sido dito do “seu” Qatar na imprensa nacional e internacional é apenas “para denegrir o país”.
Nas páginas deste jornal, assumamos, têm saído esse tipo de relatos. Nessa medida, fazemos parte do grupo indirectamente visado por Mónica. E também do directamente acusado por Raúl Costa, preparador físico português do Al Duhail.
“Os portugueses aqui estão ‘cegos’ com a quantidade de mentiras que vocês escrevem diariamente em Portugal. É uma vergonha de cada vez que se abre uma notícia sobre Doha”, dispara ao PÚBLICO. E foi mais longe: “Estive com o meu presidente, uma das oito pessoas com mais poder no país, e eles estão ‘cegos’ com as barbaridades que escrevem sobre o Qatar. E com razão.”
Que mentiras e barbaridades temos escrito? A acusação vai do relato de ambiente “morno” neste Mundial ao alegado exagero nas críticas à castração cultural feita às mulheres qataris, passando pela suposta diabolização dos abusos em direitos humanos e pelo pagamento a pessoas locais para se fazerem passar por adeptos das várias selecções.
Neste “cocktail”, quando desafiada a apontar algo que o Qatar tenha para mostrar mas que não esteja a ser mostrado na imprensa, Mónica contou uma história sobre o país de pessoas afáveis que gostam de receber.
“Acho que falta mostrar um bocadinho mais da cultura e das boas-vindas que eles dão às pessoas. Eles recebem muito bem. Por exemplo, um qatari conhece um português e disse para ele convidar os amigos para irem lá jantar”, apresentou.
Depois, algo foi acrescentado: “Mas tudo com o seu respeito. Este jantar vai ser só para homens. Como é óbvio, não é para mulheres. Mas é algo cultural e temos de respeitar.”
“Um qatari pagou-me a conta”
Mónica Lima trabalha como consultora e guia turística no Qatar, pelo que poucos estarão mais capazes de traçar uma opinião consistente sobre o que pensam os portugueses que por cá vivem. Afinal, ouve-os diariamente.
“A minha opinião é a opinião geral na comunidade portuguesa aqui. O país não é o que passa nas notícias”, defende. E argumenta: “Nós, que vivemos aqui, vemos um país a fazer grandes mudanças em 12 anos para que o Mundial acontecesse. Mudanças nas infra-estruturas e na cidade, claro, mas também nas condições dadas aos trabalhadores e em inúmeras coisas.”
A questão dos trabalhadores será abordada noutro texto, com a devida opinião desta portuguesa casada com alguém que emprega pessoas na área da construção. Mas nas “inúmeras coisas” que têm mudado incluem-se mudanças culturais no tratamento dado às mulheres?
“Sem dúvida. É um país muito mais aberto. Mesmo em 2009, quando vim para cá, a ideia que eu tinha era o que me passavam: para termos medo dos árabes e não olhar nos olhos. Mas, quando cheguei, nada disso. Zero. Nunca me senti mal. Pelo contrário, tenho montes de histórias que mostram que eles são prestáveis e amigáveis, mesmo com as mulheres. Já me aconteceu ir à bomba e não ter dinheiro. Estava a um minuto de casa. Um qatari ofereceu-se para pagar e eu disse que ia a casa, mas ele recusou e pagou a minha conta na bomba.”
- Mas não terá esta visão positiva do Qatar por ser uma estrangeira privilegiada?
- Como assim?
- Uma pessoa de fora possivelmente não sofre o que sofrem as locais...
- Sofrem? Calma...
- Corrijo: que se diz que sofrem.
- Mesmo assim... Nós cá temos boa qualidade de vida. Vivemos bem. E não é só no nosso patamar. Mesmo pessoas abaixo de nós vivem melhor do que no país delas.
Raúl Costa, que considera que “tomara os portugueses terem metade do que o Qatar oferece a todos os que aqui vivem”, chegou a contar que já recebeu mensagens de dois jornalistas a dizerem que as próximas férias vão ser no Qatar. “Como digo sempre, é ver para crer.”
Pelo que diz Mónica Lima, os jornalistas que disseram a Raúl onde passariam as próximas férias terão uma boa experiência: “É certo que o país não tem muitos anos, pelo que não há muita história para contar. Há 40 anos, viviam no deserto e andavam de camelo. Mas evoluiu muito. Dizem que no Qatar não há nada para ver, mas quem cá vem fica de boca aberta. Por exemplo, é um dos poucos países que têm encontro do mar com as dunas.”
Raúl e Mónica são felizes no Qatar, e a guia turística até nos ajuda a fechar este texto. Depois de muitos caracteres em que se fala do que o Qatar tem de bom, falemos do que tem de mau. Mónica sabe apontar algo. “O que há de mau é o calor. Não é fácil. Mas até prefiro o calor do que a chuva.”
O que há de mau no Qatar é o calor.