Há fogo? Já lá vamos
Depois de 13 dias a conviver diariamente com o povo qatari, já consigo apontar uma palavra que os define: calma. Ou tranquilidade, como preferirá dizer Paulo Bento, que também por cá anda.
No Qatar, os locais mostram-se diária e permanentemente serenos. Por vezes, até chegam a parecer pachorrentos. E isto está longe de ser uma crítica – é até um elogio tremendo.
Este é um povo que está a viver uma mutação gigantesca no seu dia-a-dia, não apenas pelo Mundial, mas pelo próprio crescimento do Qatar, um país de deserto e religião que está a tentar tornar-se uma nação de turismo, negócios e eventos.
Apanhados no meio deste ímpeto qatari de se tornar mais mundano e, em certa medida, até algo ocidental, este povo mantém uma calma admirável. Em tudo.
Não vemos um qatari caminhar apressado, falar alto, servir-nos com velocidade, mostrar-se sobressaltado ou reagir de forma agressiva ou sequer mais intensa ao que quer que seja que o dia lhe oferece. E não têm pressa para nada. O mundo não lhes foge. E que boa lição de vida conseguem dar aos apressados ocidentais.
Há dois dias, por volta das nove e tal da manhã, acordei com o alarme do edifício de apartamentos. Alarme bem alto, acompanhado de uma luz vermelha e de uma voz a requerer evacuação imediata. “Podiam era ir fazer simulacros para o...”, pensei. Mas saí de casa rapidamente.
Quando descia as escadas a correr, encontrei-me com dois funcionários que seguiam em sentido contrário. O diálogo que se seguiu foi estranho.
Ao primeiro perguntei o que se passava e, como resposta, recebi um inquietante sorriso. Insisti. E recebi novo sorriso de quem subia as escadas com uma tranquilidade olímpica. Só disse: “É algo no terceiro andar, já lá vamos.” Estava pouco preocupado. E porque haveria de estar? É qatari e qatari não se enerva.
Continuei a descer e, com o segundo funcionário – em intensa competição de serenidade com o colega que ia à frente –, já nem tentei.
Já no rés-do-chão, depois de nem dois minutos de curiosidade, chegou o veredicto. “Uma senhora estava a cozinhar, fez fumo e o alarme disparou.”
O Mundial está por cá, com visitantes de todo o lado e estímulos festivos permanentes que lhes viraram o quotidiano do avesso. Problema? Porquê? Se nem uma evacuação repentina os faz ebulir, seriam uns futeboleiros estrangeiros a fazê-lo? Os qataris seguem calmos, que é só um Mundialzinho. Até porque boa parte dos futeboleiros “estrangeiros” são eles próprios.