Apalpões e a fisga do soutien

Durante os primeiros meses do 5.º ano, o Garcia defendia-me das agressões sexuais dos nossos colegas — apalpões no rabo e na vulva, puxar o soutien com força tornando-o uma fisga dolorosa.

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Em 1989, tinha eu 11 anos e acabada de entrar para a Escola Preparatória da Arrentela, a cerca de dois quilómetros do Seixal, quando conheci pela primeira vez a agressão vinda por parte de estranhos.

A Escola Preparatória n. º 2 da Arrentela fica situada numa zona problemática da Margem Sul, rodeada por bairros sociais e carenciados. O recreio da escola era um campo de agressões, que iam das chapadas, pontapés e murros aos apalpões. Eu fugia da violência do recreio refugiando-me no campo de futebol. Tinha enturmado com os rapazes e toleravam-me no campo de futebol, partilhando a bola e muitas sarrafadas que, embora doessem, não levava a mal visto serem no contexto dos jogos.

Levei muita porrada a jogar à bola, as minhas canelas pareciam um mostruário de nódoas negras; ainda assim preferia as agressões do futebol às que se passavam no recreio. O período da puberdade corresponde a uma espécie de Idade Média no desenvolvimento dos humanos. A crueldade não tem limites e o despontar da sexualidade, dada a exaltação das hormonas, faz dos humanos criaturas perversas com pouco mais de metro e meio.

Os apalpões por parte dos rapazes humilhavam-nos, e se durante algum tempo consegui ter como defensor o Garcia, um rapaz repetente com quase o dobro da minha altura, rapidamente fui traída por esse capanga que parecia querer ajudar-me a troco de nada. Durante os primeiros meses do 5.º ano, o Garcia defendia-me das agressões sexuais dos nossos colegas — apalpões no rabo e na vulva, puxar o soutien com força tornando-o uma fisga dolorosa contra a minha coluna —; qualquer rapaz que me tocasse levava um abre-olhos do Garcia, que dizia ser meu amigo e não gostar que me tocassem.

Não sei em que momento é que o jogo mudou de rumo. O Garcia começou a insurgir-se primeiro com palavras amorosas que me eram incompreensíveis, pensei inicialmente que se tratava de uma brincadeira. No seu percurso escolar já tinha chumbado três vezes, o que fazia dele um matulão ao pé de mim e de todos os outros. Eu tinha 11 anos e o Garcia completara 14. O facto de ele se interessar amorosamente por mim tornava-o um tarado aos meus olhos. O Garcia era praticamente adulto, o seu corpo era o de um adulto. E se primeiro apenas me tentou conquistar com palavras e modos de segurança em relação aos outros rapazes, mais tarde tornou-se o meu maior perigo e um potencial agressor.

Não gostava da forma como me tocava, agarrando-me muitas vezes por trás pela cintura, ou da maneira como olhava para mim, fixando-se no pequeno volume que faziam as minhas mamas sob o fato de treino. Comecei a fugir do Garcia nos intervalos das aulas. Juntei-me no recreio à Joana e a outras raparigas que jogavam ao berlinde nas covas que fazíamos na terra, que por causa da chuva muitas vezes se enchiam de lama. O Garcia continuou a jogar à bola com o mesmo grupo de rapazes e eu evitava aproximar-me do campo, não queria que me visse nem que me chamasse. Tinha medo daquele corpo enorme que me intimidava.

A determinado momento, não sei dizer quando, o Garcia desinteressou-se de mim. Andava atrás de uma rapariga também mais velha, talvez da sua idade. Tinha o corpo desenvolvido como ele, notavam-se as mamas grandes e usava batom com brilho. Fiquei aliviada quando o vi andar na companhia dessa rapariga, embora continuasse a ser apalpada por outros rapazes no recreio, eu e as minhas colegas. Era algo que por mais que ripostássemos não conseguíamos evitar. Os rapazes tinham muita força, mesmo tentando impedi-los não havia hipótese de nos defendermos totalmente daquilo.

Nunca nenhum professor ou funcionário se meteu naqueles assuntos, apesar das queixas que fazíamos. Encolhiam os ombros e mandavam-nos desenrascar-nos, que era assim que a escola funcionava. Aquilo eram coisas de miúdos, que nos defendêssemos como pudéssemos, para não fazermos drama, que já se sabia como eram os rapazes naquela idade e que logo lhes passava o interesse na brincadeira.

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