Serviços públicos continuam a exigir agendamento prévio. Associação apresenta queixa

ProPública acusa administração pública de práticas “ilegais” e entregou queixa a Belém, ao primeiro-ministro e Provedora da Justiça. Restrições da pandemia cessaram mas agendamento continua.

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Em causa está o agendamento para os serviços Rui Gaudêncio

A Associação ProPública acusa a administração pública de práticas “ilegais e ilegítimas” ao dar preferência ao atendimento presencial por marcação, apesar de já terem cessado as restrições impostas pela pandemia.

Numa queixa entregue nesta quarta-feira ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e à provedora de Justiça, a Associação ProPública -- Direito e Cidadania considera estar em curso um “aproveitamento” do período excepcional de resposta à covid-19. Em causa está “a exigência quase universal de agendamento prévio, telefónico ou por meios electrónicos, para que um cidadão seja recebido em qualquer serviço da administração pública”.

Ora, essa exigência -- sustenta -- viola o direito constitucional do “acesso efectivo, livre e directo aos serviços públicos sem necessidade de marcação”. Ou seja, “o direito dos particulares a serviços públicos acessíveis, expeditos e não discriminatórios está a ser ofendido há mais de um ano e meio”, denuncia.

Em resposta ao PÚBLICO, a Presidência da República informou que se “trata de matéria da responsabilidade do Governo, pelo que a exposição foi hoje [sexta-feira] enviada para o Gabinete do Senhor Primeiro-Ministro”. A Presidência do Conselho de Ministros remeteu para o gabinete do Secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa, que depende directamente de António Costa. “O gabinete do secretário de Estado não recebeu a queixa que é referida”, indicaram deste serviço.

“Como todas as queixas, esta matéria será analisada e depois objecto de resposta com as conclusões obtidas”, informou a assessora da Provedora da Justiça. Na nota em que informa sobre a queixa entregue, a ProPública especifica que “espera uma actuação pronta e enérgica do primeiro-ministro enquanto presidente do Governo e titular superior da administração pública. Do Presidente da República espera uma intervenção condizente com as suas responsabilidades de controlo e fiscalização do bom funcionamento das instituições democráticas. À Provedora de Justiça requer a ProPública a competente recomendação ao governo visando a reposição da legalidade administrativa e a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.”

Segundo esta associação privada que pugna pela defesa jurídica do interesse público, “os meios alternativos de atendimento que se têm perpetuado violam garantias constitucionais”, expressas nos artigos 266.º e 267.º, e “afectam o bem-estar geral das pessoas e comunidades”.

Face a isto, a ProPública exorta o Presidente da República, o primeiro-ministro e a provedora de Justiça a eliminarem -- de forma “pronta e enérgica” -- uma prática que considera “injusta, ilegal e inconstitucional”, recordando que “o interesse público é o norte da Administração Pública” (para o efeito citam o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, na sua obra sobre Direito Administrativo).

Milhares de pessoas afectadas

A marcação com antecedência para atendimento presencial nos serviços públicos integrou as medidas de resposta à pandemia de covid-19, mas era “apenas justificada legalmente por força do estado de emergência”, explica a ProPública. Ora, salienta, Portugal não está em estado de emergência desde 30 de abril de 2021 e o estado de alerta que se seguiu cessou a 30 de Setembro, o que demonstra a “ilegal persistência” das restrições impostas no passado.

Portanto, nada justifica “as restrições de acesso que as estruturas da Administração continuaram e continuam a impor”, que, desde logo, instaura o “privilégio” de uns cidadãos -- os habilitados para utilizarem as plataformas digitais e outros meios electrónicos -- sobre os outros. Esta situação afecta “dezenas de milhares de pessoas” e lesa “em especial as camadas mais vulneráveis da população”, estima a ProPública.

Reconhecendo “o esforço da maioria dos funcionários que, nos últimos anos e apesar das dificuldades sociais e organizativas, deram o seu melhor para servir o interesse público”, a associação assinala que “a administração pública existe para servir os cidadãos e não os interesses próprios de funcionários e burocratas”.

Frisa também que “os direitos de cidadania não são compatíveis com uma cultura organizativa de distanciamento, opacidade e autoritarismo” e, portanto, “não é compreensível que a excepção (...) seja, sem mais, transformada na nova regra da Estruturação da Administração e da sua interacção com os cidadãos”.

A queixa apresentada pela ProPública resulta de “denúncias” recebidas, que levaram a associação a concluir que, “embora não seja expressamente mencionada a obrigação de marcação prévia”, esta é “apresentada como necessária”, resultando numa “imposição prática”.

A associação exemplifica: “O atendimento através de senha tirada em plataforma virtual corresponde (...) a um agendamento prévio"; o atendimento não agendado é “sujeito ao número de senhas disponíveis diariamente”, sempre “escasso”, e, portanto, o despacho presencial acaba por ser uma “parte insignificante da prestação do serviço”.