Tem medo de multidões? A “última coisa a fazer” é ir à Black Friday

Ter medo de ir a centros comerciais pode estar ligado a um quadro de agorafobia, explicam as psicólogas Cristiana Pereira e Sophie Seromenho. A culpa é da pandemia, dizem.

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O dia de descontos é uma tradição norte-americana EPA/NEIL HALL

Um centro comercial apinhado de gente à procura dos melhores descontos — é este cenário que poderá encontrar nesta sexta-feira por culpa da Black Friday. A tradição norte-americana já se alastrou um pouco por todo o mundo e as multidões são cada vez maiores. Para aquelas que ainda não recuperaram do trauma do isolamento da pandemia e continuam sem conseguir enfrentar ajuntamentos, o dia é um pesadelo, lamentam as especialistas ao PÚBLICO.

Mais do que um quadro clínico de ansiedade, este comportamento está associado à agorafobia, começa por analisar a psicóloga Sophie Seromenho. “É quando se tem um medo excessivo de estar em sítios onde o escape é difícil”, define a autora de Não É Loucura, É Ansiedade. O estado leva a pensamento ruminantes — “como é que vou sair daqui?” — que “pioraram muito com a pandemia”, reconhece.

Se já havia quem sofresse de agorafobia antes da pandemia, “estar em casa durante muito tempo piorou” e são cada vez mais os novos pacientes que se queixam do problema. “São pessoas que nunca tinham sofrido com isto. Mas estiveram fechadas no seu ambiente e o corpo tende a adaptar-se”, explica a psicóloga. Ou seja, o cérebro funciona por habituação e “adaptou-se a estar em casa”. Agora, “sair de casa é percepcionado como um perigo”.

O nosso sistema nervoso, esclarece Sophie Seromenho, está constantemente “a tentar proteger-nos de uma potencial ameaça”, porque “foi feito para sobreviver”. Tudo o que é novidades ou estímulos novos é percepcionado como uma ameaça. E ainda que um centro comercial apinhado não seja novidade para nós, pode ser para o cérebro que se esqueceu do que era a “vida normal”.

Quem continua em casa em teletrabalho e ainda não regressou a um quotidiano pré-pandémico “é mais vulnerável a estar no meio de multidões”, reconhece a especialista, lembrando que “centros comerciais são muitas vezes estímulos ansiogénicos” — isto é, que geram ansiedade. A colega Cristiana Pereira, da Oficina de Psicologia, em Lisboa, concorda: “Continuam a chegar muitas pessoas à consulta com questões relativas à ansiedade de exposição.”

Cristiana Pereira lembra que, durante os dois confinamentos, “fomos expostos a um contexto em que o contacto humano era visto como algo de perigoso”. Voltar a pensar como se nunca tivéssemos vivido esta situação de “incerteza” não é fácil, sobretudo quando dispomos de mecanismos como as compras online, que nos ajudam a evitar o problema, assevera, acrescentando que há até quem tenha deixado de ir ao supermercado e compre as mercearias pela Internet.

É normal ter ansiedade perante multidões, descansam as duas psicólogas, mas não é natural sentir que esse sentimento é “desproporcional”. “Há pessoas que evitam alguns eventos familiares. Isso é um alerta vermelho porque esta ansiedade já começa a condicionar a vida”, sublinha Cristiana Pereira. Já Sophie Seromenho avisa que também é de preocupar quando, mal chegamos a um sítio, “começamos a pensar onde é a saída”.

Exposição? Sim, mas não na Black Friday

Nesses casos é fundamental, procurar o apoio de um psicólogo que ajudará a “fazer uma reestruturação cognitiva à volta do medo de estar fora de casa”, apela Sophie Seromenho. A solução não passa por evitar o motivo da ansiedade, por exemplo os centros comerciais, mas sim fazer uma “exposição gradual”, diz.

Todavia, para quem sofre deste tipo de ansiedade “ir à Black Friday é mesmo das últimas coisas a fazer”, pede. “Não faz sentido continuarmos a evitar por ser uma situação desagradável, mas temos de ir devagarinho”, aconselha, por sua vez, Cristiana Pereira. Em vez ir ao centro comercial durante estes dias de promoções, prefira ir em horas em que estará mais vazio e durante pouco tempo. Depois, vá aumentando o tempo de forma gradual.

Se não conseguir aventurar-se logo nos centros comerciais, propõe Sophie Seromenho, vá a supermercados mais pequenos ou experimente andar nos transportes públicos em horários mais tranquilos. A psicóloga termina com um apelo para que, se se sentir ansioso nestas situações, intervenha de forma precoce. É que “este problema instala-se e progride rapidamente”.

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