Não era um dos objectivos do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA), mas está a acontecer por causa dele. Os produtores estão a majorar o preço que pagam pelo quilo de uvas aos seus fornecedores para garantir que têm uvas de qualidade, produzidas segundo as melhores práticas e que passam no crivo da certificação criada pela Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA).
O projecto, pioneiro em Portugal — e que inspirou a certificação nacional de sustentabilidade, apresentada esta quarta-feira —, começou em 2013 e certificou a primeira empresa em Dezembro de 2020. Conta hoje com 11 operadores certificados, entre eles produtores como a Herdade dos Grous, a Herdade do Rocim, a Herdade dos Lagos ou a Casa Relvas. Um número que deverá crescer em breve. Um dos candidatos em fase final de certificação — passou na auditoria interna do PSVA, falta-lhe a auditoria externa, que deverá ocorrer em Dezembro — não esperou pelo “selo” para começar a pagar mais pelas uvas aos seus fornecedores.
Na última vindima, o gigante Adega Cooperativa de Borba, com cerca de 270 sócios, que correspondem a uma área de cerca de 2200 hectares de vinha, “já pagou mais 10 por cento pelas uvas a quem estava validado no PSVA validado”, disse ao Terroir Óscar Gato. O enólogo explica que “primeiro, a adega validou esses sócios, que foram depois auditados pela auditoria interna da CVRA e só aguardam a auditoria externa para terem a certificação” do PSVA. “Mais de metade do número de sócios [está já pronta] para avançar nesse processo”. Esses, em 2021, na apresentação do Plano de Actividades e Orçamento da cooperativa, já foram contemplados com a majoração extra nas suas uvas.
Borba será a primeira grande casa alentejana a conseguir certificar no PSVA toda a cadeia de produto. E, faz questão de dizer Óscar Gato, o incentivo aos seus associados já vem de “há alguns anos”. “Não estarmos ainda certificados não invalida que já paguemos melhor. Começámos com a protecção integrada e hoje dois terços da nossa área estão certificados em produção integrada. No fundo é incentivar a trabalhar melhor. O resultado final será sempre a uva com mais qualidade”, comenta.
Já a Casa Relvas está a pagar mais 2,5 por cento e faz da inscrição no PSVA um requisito “de caderno de encargos”. Quer isto dizer que não compra uva a viticultores não inscritos no programa. O enólogo da empresa, Alexandre Relvas, explica que a empresa está certificada “desde final do ano passado, no âmbito da produção própria” — ou seja “toda a uva transformada”, ficam de fora “vinhos comprados a outros produtores”.
São quatro os fornecedores da Casa Relvas, parcerias de longa data, e, percebendo que “para quem está no início da cadeia de produção, [a certificação] é um acréscimo de trabalhos”, a empresa majorou “em 2,5 por cento as uvas inscritas no plano”.
Na Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz (CARMIM), está em curso “essa reflexão”, diz o CEO João Caldeira. A cooperativa (com cerca de 400 associados, à volta de 3000 hectares, e que num ano bom transforma aí umas 20 mil toneladas de uva) quer, “em campanhas futuras, [poder] dizer que o agricultor associado que tenha um nível de resposta aos critérios PSVA mais avançado, o chamado nível desenvolvido, pode ser premiado no valor da uva”. “Estamos a fazer essa reflexão.”
Há mais de um ano que o PSVA é “assunto internamente”, embora não seja ainda um “deal-breaker”, explica João Caldeira. “O passo que ainda não foi dado, e que vai ser objecto de discussão agora, é em que medida iremos criar no algoritmo de remuneração das uvas um incentivo a essa adesão?”, avança.
No entretanto, avança João Caldeira que a cooperativa de Reguengos de Monsaraz tem “segregado na adega um vinho proveniente de uvas de associados com potencial para alcançar o nível desenvolvido” dentro dos indicadores da certificação, e que assim que se confirme “a confirmação daquele nível” a CARMIM estará “em condições de lançar um vinho PSVA. “Porém, [ressalva] o nosso objectivo mantém-se na generalização das melhores práticas, por forma a alcançar o nível de desenvolvido na generalidade dos viticultores.”
Os produtores contactados pelo Terroir não revelam o preço a que pagam a uva, mas, segundo dados publicados no site da CVRA, em 2021, o preço médio pago pelo quilo andou entre os 42 e os 55 cêntimos, numa região em que a produção média por hectare foi de 7,3 toneladas. Esse número é flutuante de ano para ano, e 2021 a produção foi extraordinária, é certo, mas se pensarmos que há viticultores que chegam a ter “20 ou 30 hectares” (no caso dos associados de Borba) e até “70 ou 80 hectares” (caso dos fornecedores da Casa Relvas), percebe-se que o acréscimo no rendimento dos viticultores é significativo.
"Ganham todos mais um bocadinho"
“É uma externalidade positiva de que não estávamos à espera”, comenta o coordenador do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo. João Barroso diz que “não são um nem dois” os produtores que estão a valorizar as uvas que cumprem as regras do PSVA, “são vários” e que, com isso, “estão todos a ganhar mais um bocadinho”.
Uma das razões, porventura a principal, que está a levar as empresas a valorizar tanto a certificação da matéria-prima é a atenção incontornável que o programa alentejano já conquistou em mercados mais maduros nestas matérias, nomeadamente os nórdicos, onde já há tenders [concursos por monopólios de venda de álcool] com o PSVA nos requisitos.
Pedem normalmente uma de duas ou três certificações e o Programa de Sustentabilidade do Alentejo está sempre lá. “A partir do momento que o Alentejo tem uma certificação que é credível, não há tenders para o Alentejo sem pedir o PSVA”, confirma João Barroso.
“Tivemos um tender na Suécia que ganhámos este ano e que era exclusivamente PSVA. E na Suécia o PSVA tem sido bem aceite. Dá ideia que todos os tenders que houver para Alentejo vão ser para PSVA”, partilha o enólogo Alexandre Relvas.
Mas se a procura valoriza o “selo”, é preciso também que a oferta tenha respostas para dar. E, nesse sentido, quem compra uva tem de poder contar com fornecedores que partilham os mesmos valores e estão dispostos a fazer o mesmo caminho. Conta João Barroso, o engenheiro do ambiente especializado em sustentabilidade, que a CVRA contratou para montar e liderar o processo de uma certificação “game changer”, que um dos aspectos que justificam o sucesso do programa alentejano “é o facto de ser gratuito para os produtores”.
São gratuitos a inscrição no PSVA, a formação contínua (em várias áreas, incluindo em marketing e comunicação em sustentabilidade), as sessões de trabalho e os manuais técnicos. E os responsáveis do programa avisam sempre que há linhas de financiamento, programas estatais ou outros apoios nas áreas de intervenção da certificação. Dos 1800 viticultores registados na CVRA, que produzem uva para Denominação de Origem e Indicação Geográfica, 500 estão inscritos no PSVA. Das 220 adegas existentes no Alentejo, 100 estão já no programa.
“Representam quase 80% do volume de vinho da região. E nas sessões de trabalho, e já fizemos umas 16, com 80 a 100 pessoas por sessão, tivemos mais de mil pessoas a assistir. São pessoas do sector”, diz, com orgulho, João Barroso.
O PSVA tem um total de 171 critérios de avaliação e obriga, entre outras coisas, a que 75 por cento dos fornecedores de uvas de uma empresa em processo de certificação estejam no nível máximo de elegibilidade à certificação (em 2023 essa fasquia passará para 80 por cento e em 2024 para 85).
O programa assenta em três pilares: redução do consumo de matérias-primas e optimização de processos, com um impacto a montante na extracção, processamento e descarte (reduzindo indirectamente a pegada de carbono dos operadores); redução de recursos financeiros de forma a alocá-los a práticas mais sustentáveis; e, por fim, adaptação às alterações climáticas (o que acaba por estar em tudo, num programa assim).
E, explica o seu coordenador, “não é um projecto para certificar vinho, é um projecto para aumentar a resiliência do sistema, que mesmo assim está em risco”. E que, nessa medida, quer “conseguir aumentar a vida na vinha, que no último século foi sempre monocultura, e criar um modelo agro-florestal”.
E, segundo um estudo deste ano por um aluno da Lund University, na Suécia (com quem a CVRA e o PSVA têm colaborado), “ser verde” compensa. O autor entrevistou 13 produtores e duas empresas consultoras e, entre conclusões, fala em 40 por cento de melhoria da qualidade dos solos (mais matéria orgânica) num período de dez anos, numa redução em 50 por cento da necessidade de rega desde 2010; de reduções até 70 por cento na água gasta por litro de vinho produzido; e de reduções até 25 por cento no consumo de electricidade comprada à rede.
Em 2023, o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo terá “uma agenda muito assente na água, nas castas, nas pessoas e na biodiversidade”, avança João Barroso.
Artigo actualizado no dia 25/11/2022, com o último parágrafo sobre a CARMIM e a informação do trabalho académico da Lund University.