Ana Moura é fado — e semba e folclore e pop
Casa Guilhermina é um ousado grito de liberdade. A cantora quis redescobrir-se musicalmente na colaboração com Conan Osíris, Pedro da Linha e Pedro Mafama.
Após o final da digressão de Moura, sexto álbum nas contas da fadista, Ana Moura nem teve tempo para pensar no que queria fazer em seguida — enfiou-se de novo num estúdio, munida de um lote de canções escolhidas por si e pelo seu manager, peneiradas entre as muitas que lhe tinham sido enviadas entretanto e avançou para a gravação de um novo disco. Via-se, na verdade, presa de um implacável ciclo, familiar a quem consegue alcançar um considerável reconhecimento na indústria da música: a ida para estúdio parir um álbum que, depois de lançado, implica uma vida mediática e de palco prolongada por aproximadamente dois anos, prazo de vida que, logo que atingido, obriga a nova visita ao estúdio para recomeçar tudo de novo. São frequentes, na verdade, os relatos de exaustão — artística, emocional, física — decorrentes destes ciclos que pouco tempo de respiração dão aos seus protagonistas. No caso de Ana Moura, fechada em estúdio com os seus músicos tempos antes da pandemia se espalhar pelo mundo, a situação desaguou numa crise e numa tristeza que foram alastrando dentro de si até transbordarem e se tornar óbvio que não podia continuar.
À distância, a cantora lembra-se bem de interromper uma das sessões de gravação, trancar-se alguns minutos na casa-de-banho e sentir-se tomada por um desalento que não conseguia já conter. A forma que arranjou para lidar com aquele momento foi agarrar-se a um fado, Nossa Senhora das Dores, com letra de José Luís Gordo e popularizado por Maria da Fé. Os versos finais, pensando-os neste contexto, soam à possível imagem que encontraria no espelho: “Tem sete espadas no peito / sete rosas a chorar / Nossa Senhora das dores / tanto pranto no olhar”. Ao desacelerar o andamento habitual neste fado, Ana Moura tentava reencontrar a essência da sua relação primordial com a música e, regressada ao estúdio, pediu a Ângelo Freire, prodígio da guitarra portuguesa, que a acompanhasse naquela interpretação. “Era só mesmo uma ferramenta para me ajudar a conectar-me com um estado que pudesse, depois, transportar para quando estivesse a cantar as outras músicas”, recorda. Mas o entusiasmo em torno daquela versão espontânea levou a que o momento ficasse registado. E, afinal, terá sido o único tema sobrevivente desse álbum em que Ana Moura trabalhou, mas do qual acabou por desistir.
“Como as pessoas [autores] sabiam que eu ia gravar, foram-me chegando músicas e fomos escolhendo algumas, mas a verdade é que estava a gravar coisas que não estava a sentir”, desabafa a cantora com o Ípsilon. “E isso em estúdio deixou-me numa posição em que sentia estar em falta para comigo e a não ser honesta com o público que me tem seguido.” Há sete anos numa digressão quase ininterrupta, pausada apenas para gravar os álbuns e prosseguir com uma agenda de concertos internacional muito carregada, Ana Moura percebe agora que, naquele momento, estava perdida. “Sinto que não tive tempo para parar e para sequer perceber em que lugar me encontrava e o que tinha para partilhar. Como estava constantemente em viagem, chegou um momento em que sentia que já nem sabia do que gostava.”
E depois, quase que o destino a encarregar-se de resolver a situação pelos seus meios, o produtor norte-americano Emile Haynie (cujo currículo inclui álbuns de Lana del Rey e Bruno Mars) “deu ghost” (deixou de responder aos contactos). Saiu de Portugal com as bases de um novo disco gravadas, a fim de poder trabalhá-las no seu estúdio do outro lado do Atlântico, e em vez disso esfumou-se. Enquanto a equipa que então trabalhava com Ana Moura desesperava pela falta de resposta de Haynie, a cantora interpretou a situação como um sinal de que estava realmente na altura de parar e perceber o que queria fazer. Pediu para lhe aliviarem a agenda de concertos e começou a explorar “algumas festas que estavam a acontecer em Lisboa”. “Já conhecia a música, mas comecei a ir às Noites Príncipe e Na Surra [ligadas aos músicos das editoras Príncipe Discos e Enchufada, respectivamente]”, conta. “E comecei a perceber que existia muita música com a qual me relacionava e que estava muito distante daquilo que eu fazia musicalmente.”
Agora, quando olha para trás, lembra-se ainda de um primeiro esforço inglório quando foi ter com Emile Haynie a Los Angeles para falarem sobre o disco que iriam gravar juntos. Ana mostrou-lhe música dos produtores da Príncipe (Marfox, Nídia...). Haynie não percebeu que a sua proposta era a de chamarem alguns desses nomes para comporem em conjunto e despachou o assunto com “Se calhar depois pedimos-lhes para eles fazerem uma remistura”. Mas não era de faixas extra ou de versões alternativas para discoteca que Ana Moura estava à procura; era mesmo de uma completa revolução na sua música. Que, então, caiu em ouvidos moucos.
Desconfinamento artístico
O primeiro indício público de que Ana Moura poderia estar a caminho de uma transformação ousada na sua música aconteceu com o lançamento do single Vinte vinte. Cinco anos após Moura, álbum em que cantava temas de Márcia, Miguel Araújo, Pedro da Silva Martins e Luís José Martins (Deolinda), Sara Tavares, Pedro Abrunhosa ou Samuel Úria, a cantora surgia ao lado de Branko e Conan Osíris numa sonoridade electrónica que era completa novidade no seu mundo. Mas no tempo da era digital e das plataformas de streaming que precisam de ser alimentadas à força de colheradas regulares, as canções avulsas deixaram de fornecer necessariamente pistas sobre o futuro ao virar da esquina. Vinte vinte, composta em resposta ao desafio do estilista Luís Carvalho para que a cantora preparasse “uma música de raiz com electrónica” para apresentar num desfile, poderia não ter passado de uma experiência e de umas horas de diversão.
Aos poucos, no entanto, a partir dos concertos e das festas que frequentava, Ana Moura foi ficando com uma ideia clara dos músicos com que gostaria de trabalhar e, após primeiras abordagens que não avançaram logo para colaborações, a pandemia ofereceu-lhe o cenário perfeito para o nascimento de Casa Guilhermina. Aproveitando o isolamento oficial a que obrigavam os confinamentos, a cantora convidou Conan Osíris e Pedro da Linha num primeiro momento, e Pedro Mafama em seguida, a passarem o lockdown consigo. “Convidei-os para nos juntarmos em minha casa e para compormos livremente”, conta. “Começámos mesmo a fazer isso e surgiram estas músicas que navegam por vários géneros de música. Gosto de acreditar que as coisas acontecem por uma razão — eu estava a precisar de parar e de viver outras coisas para me poder estimular. E apaixonei-me por esta possibilidade de juntar a minha música a outros géneros. Já fazia isso em discos anteriores, mas desta vez seguiu uma forma um pouco mais livre.”
Ana Moura sabia aquilo que procurava em cada um dos seus novos parceiros e se em Conan Osíris e Pedro Mafama via “uma herança mais portuguesa, mas em que sentia também africanidade”, em Pedro da Linha identificava essa marca mais carregada dos novos sons africanos que são parte da paisagem sonora de Lisboa e que queria integrar na sua música. “Eu sou fadista em tudo aquilo que faço”, concede, “mas tenho um lado africano e de ligação, em específico, à música angolana, que sempre me fez vibrar.” No fundo, a cantora quis reclamar parte da sua biografia — com ascendência angolana — para a música que assina com o seu nome. E, na verdade, se recuarmos até 2015/2016, havia já pequenos vislumbres dessa presença nas suas escolhas — poucos dias após a morte de Prince, Ana havia de dedicar ao amigo Birin birin, um semba que agora encontramos em Casa Guilhermina, no palco do Carnegie Hall; no ano anterior, juntar-se-ia a Bonga no dueto Valentim, incluído no álbum de homenagem Amália — As Vozes do Fado, já então com produção de Branko.
Pedro da Linha, que já trabalhara com Ana Moura em Vinte vinte, recorda ao Ípsilon que recebeu da cantora “uma mensagem no Instagram” a perguntar se podiam encontrar-se para conversarem sobre música. Mas quando esse encontro se deu, em cima da mesa ficou logo o convite para trabalharem juntos — sem saber se seria uma parceria para um tema ou mais duradoura. Quando chegou a casa da cantora para começarem a trabalhar, Conan Osíris também já estava por lá — Pedro Mafama só chegou mais tarde. Aos poucos, aquele encontro que, num segundo momento, se foi fechando sobre a cantora e os dois Pedros na produção, evoluiu para a construção de um álbum.
Para Pedro Mafama, o encontro entre os diferentes universos musicais “foi muito rápido”. “A Ana decidiu muito claramente quem queria a trabalhar no álbum porque sabia aquilo de que estava à procura”, diz ao Ípsilon. “O Pedro da Linha tinha um lado mais electrónico e de uma batida afro-portuguesa, enquanto que eu trazia talvez a minha visão sobre o que pode ser a renovação da música portuguesa. Ela estava à procura de algo realmente novo ou, como costuma dizer, que lhe fizesse os olhos brilhar.”
Um dos primeiros momentos dessa residência artística de três meses fechados em casa, a viverem juntos e a experimentarem ideias novas todos os dias — desde que acordavam e até que se deitavam —, aconteceu logo “na segunda ou terceira noite”, recorda Mafama, quando surgiu Arraial triste, um dos singles de Casa Guilhermina, de recorte mais pop e que no seu encontro entre guitarra portuguesa, beat de inspiração tradicional e inclinação cançonetista lembra algumas das criações de A Naifa. “Começou por uma ideia de acordes, o Pedro da Linha rapidamente fez um beat em cima daquilo, a Ana colocou a melodia de voz, eu fiz a letra numa noite e ficou praticamente aquilo que é hoje o Arraial triste.” Nem sempre o processo foi tão rápido, nem sempre resultou, mas os três falam de um período especial, tudo feito na proximidade, olhos nos olhos, e não trabalhado por detrás de ecrãs de computador a quilómetros de distância.
Embora não o soubesse ainda com absoluta certeza, Ana Moura não demorou a perceber que tinha encontrado o lugar onde queria estar. “Estou disponível para começar de novo”, afirma, consciente de que este caminho que agora inicia a leva para uma linguagem pop contemporânea que, em muitos momentos, está já longe da imagem fadista que ainda conserva para o grande público — embora o fado continue a estar presente em Casa Guilhermina, das interpretações de Nossa Senhora das Dores, de Estranha forma de vida e do excelente interlúdio Minha mãe (talvez há muito, na verdade, que Ana Moura não gravasse algo tão arreigadamente e deslumbrantemente fadista) a temas claramente atravessados pela canção lisboeta, como Classe, fado tradicional com nova letra de Conan Osíris, ou o magnífico Sozinha lá fora. E acrescenta: “Colocar-me neste lugar faz-me sentir estimulada e apaixonada. E isso foi algo que fiquei com receio de ir perdendo, medo de já não conseguir apaixonar-me. E quero colocar-me em lugares que me desafiem e me façam sentir que estou a começar tudo de novo, a descobrir outras coisas. Quero sonhar e acreditar que o português de Portugal pode ser pop e ouvido massivamente fora de Portugal. E quem sabe este disco possa ser uma porta para isso.”
Inspiração na liberdade
A ambição de alcançar um lugar de destaque num cenário pop global com a sonoridade desenhada em Casa Guilhermina, a que Ana Moura se refere sem pudor, bate certo com a redefinição das regras obrada nos últimos anos por Rosalía, J Balvin ou C. Tangana. É impossível deixar escapar, por isso, que numa das estantes da sala de estar da sua casa, onde a cantora recebe o Ípsilon e verdadeira sala de partos para o novo álbum, repousa o vinil de Motomami, o mais recente disco da cantora catalã. Ana Moura assume a inspiração em Rosalía e C. Tangana, afirmando que a cantora de La fama ou Malamente é, na sua opinião, “a artista mais surpreendente e livre” do presente em que vivemos. E esse atributo — o da liberdade — é aquele que mais se ouve da boca de Ana Moura por estes dias. Daí que tenha largado management, editora e toda a equipa que vinha trabalhando consigo, tendo criado uma pequena estrutura à sua volta e seguido, no fundo, um velho conselho de Prince, que a convenceu de que deveria ser uma artista independente, responsável última pelas suas escolhas e decisões, sem ter de prestar contas a terceiros.
Em termos estritamente musicais, não custa perceber que a Rosalía de El Mal Querer e Motomami tenha servido de inspiração — ainda que a composição de Casa Guilhermina anteceda a edição do terceiro álbum da cantora que explodiu as possibilidades do flamenco e não teve medo de ser abertamente pop ao mesmo tempo que reclama sonoridades latino-americanas como matéria-prima. “Ao analisar o percurso da Rosalía”, diz Ana Moura, “consigo perceber como é possível outros géneros e línguas que não o inglês chegarem ao mundo inteiro. E gosto desta liberdade que ela tem de absorver a música da América Latina, sendo ela espanhola, e não ter problemas com isso, trazendo também electrónica para a sua música. Isso é muito inspirador. Assim como é inspirador perceber que o faz com a liberdade de não querer saber de acusações de apropriação cultural. Claro que aquilo que faço musicalmente, depois, acho que é completamente diferente daquilo que ela faz.”
Essa questão de uma eventual acusação de apropriação cultural não escapou, naturalmente, a Ana Moura enquanto construía um disco que se aproxima do semba e da kizomba, que acolhe no seu alinhamento um Birin birin que sempre ouviu e cantou em casa e em palco, um Calunga que junta “o fado mais africano” de Amália Rodrigues (Calunga, precisamente) a Mona ki ngi xica de Bonga — “Sinto estas palavras da Amália como se fosse um pouco a história dos meus pais, quando vieram para Portugal na altura da Revolução, e pus no Mona ki ngi xica a herança dos sons que eles trouxeram de Angola”, explica. “Passou-me pela cabeça que algumas pessoas possam não perceber, porque sempre associaram a minha imagem à portuguesa fadista”, concede. “Mas este sangue corre-me nas veias, esta é a minha história e com este disco só estou mesmo a contar a minha história.” Mázia, a primeira letra da autoria da própria Ana Moura, parte dessa narrativa e foi escrita a pensar numa prima entretanto desaparecida com quem partilhava uma linhagem familiar angolana. “Quis fazer-lhe uma música que tivesse o nosso lado africano, porque sempre que entrava no carro dela estava a ouvir kizomba e nós tínhamos essa coisa de dançarmos em pequenas para a minha avó [a Guilhermina a que o título presta homenagem]”.
“O contexto familiar foi algo de que a Ana nos falou muito”, explica Pedro Mafama. A forma como essa partilha foi depois vertida para a música terá em Andorinhas um dos mais flagrantes exemplos — e um dos mais conseguidos nesta missão de levar o fado a passear até terras da pop contemporânea (com elementos de fado, mas também de folclore, como se, afinal, mais do que a Rosalía Ana Moura estivesse a ligar-se a António Variações). “Foi um tema escrito a pensar na mãe e nas tias da Ana que, tal como as andorinhas, vieram de África para Portugal e dizem-lhe que o mundo gira e deve usar a brisa a seu favor.” No fundo, aquilo que a cantora aqui se propõe fazer.
O tempo das certezas
Se Ana Moura, Pedro da Linha e Pedro Mafama recordam os três meses de residência artística pandémica, quando descobriram os caminhos que os levariam até Casa Guilhermina, como um “processo que foi muito bonito”, findo esse período de criação havia que rebentar a bolha em que tinham vivido e partilhar a linguagem comum que ali geraram. Se Pedro da Linha confessa que ainda sentiu um pouco a pressão por estar a trabalhar para “uma das maiores artistas que já tivemos”, que o convidava “a produzir e compor uma linguagem que não dominava de todo”, Pedro Mafama não acusou tanto o momento e ambos falam de um puzzle que Ana Moura, de alguma forma, já tinha em si e que tratou de lhes explicar. Falam também, a uma voz, de um período assente em “horas e horas a conversar à mesa que depois se materializavam nos temas”.
Findos esses três meses, no momento de rebentar a bolha e deixar que alguém de fora escutasse a música que tinham criado, havia nos três uma natural dose de expectativa e insegurança, dada a transformação na linguagem musical que ali acontecera. A primeira opinião que chegou colocava alguma água na fervura e, de forma cautelosa, sugeria que talvez os vários géneros musicais no disco pudessem ser explorados autonomamente e não dentro de um mesmo registo. Nessa altura, em que os dois produtores de Casa Guilhermina tinham voltado para as suas casas e deixado Ana Moura sozinha com as suas dúvidas, a hesitação cresceu. “Estávamos tão apaixonados por aquilo que tínhamos construído que, de repente, essa primeira reacção foi um baque para nós”, admite a cantora. “Estávamos isolados, a viver num sonho, depois abrimos a porta e entrou alguém de fora.” Alguém que pensava nos efeitos que uma tal mudança de registo poderia ter na sua carreira.
Só que, passados poucos dias, Ana Moura percebeu que o seu compromisso com aquela sonoridade não saía beliscado e não estava disposta a prescindir dessa linguagem que, acredita, passa pelo esbatimento de diferenças entre géneros que não são assim tão estranhos entre si. A cantora ilustra a sua opinião com a dolência que existe nos sembas mais antigos, “semelhante à dolência que temos também no fado”. À medida que as certezas foram varrendo as incertezas, Casa Guilhermina começou também a tomar a forma de uma viagem pela casa de Ana Moura, começando por uma Janela escancarada que convida a entrar e depois “vai navegando pelos interlúdios como se fossem as divisões”. “O disco pretende ser um convite às pessoas para entrarem na minha casa, onde se dança semba na sala, mas depois se vai para a intimidade dos quartos e se escutam os sons do fado, onde guardo o meu coração mais fadista. E escutam-se os sons do jardim, dos passarinhos e das andorinhas, nestas divisões que me compõe e que fazem de mim uma artista que vive em todos estes géneros.”
Se as divisões africanas se encontram claramente em Birin birin (em deliciosa abordagem de miniatura acústica), Calunga e Mázia, Casa Guilhermina começa por uma Janela escancarada que aplica um beat de malhão-pop e um sintetizador mascarado de gaita-de-foles a uma sonoridade em clara ligação com Desfado e de refrão muito amaliano. Essa proximidade com o passado recente ressurge em Corridinha (de Pedro da Silva Martins e Luís José Martins), lembrando que já Desfado fora a sua própria revolução, quando Ana Moura se rodeou de novos autores exteriores ao fado, abrindo espaço para uma visão que entretanto se tornou a norma nas abordagens ao género. A partir de Mázia começam depois as viagens por uma Lisboa africana e com Andorinhas (mas sobretudo em Jacarandá e Agarra em mim) instala-se uma pop com direito a vários processamentos de voz (incluindo autotune) e um particular cuidado nos arranjos com várias camadas de voz (Sozinha lá fora e Trigo são preciosas nesse aspecto). E essa liberdade pop, reclama ainda, estende-se também à sua imagem.
Casa Guilhermina é, por isso, um primeiro passo numa nova direcção, com as fragilidades de quem não tem ainda terreno firme à sua frente, que Ana Moura assume num gesto de invulgar coragem para quem tinha portas abertas em salas como a Ópera de Sydney ou o Carnegie Hall e sabe bem o quanto esta linguagem lhe fechará algumas delas. Mas, como canta logo em Janela escancarada, “Neste fado dispenso normalidades / e vivo o instante como se não houvesse fim”. Nem fidelidade castradora ao passado, nem medo do que pode este passo implicar no futuro. Casa Guilhermina é todo presente, todo esse instante infinito. E é aí que Ana Moura quer estar.