Em Cuba, durante a sua juventude, Angela Alvarez queria ser cantora. Mas, depois de emigrar para os Estados Unidos, viu-se na necessidade de se dedicar às limpezas para sobreviver e recuperar os seus filhos. Por isso, agora, parece-lhe difícil acreditar que o seu sonho de há muito se tenha tornado uma realidade: aos 95 anos, Angela foi nomeada para um Grammy Latino de Melhor Nova Artista.
“Às vezes, belisco-me”, disse Angela Alvarez, que reside em Baton Rouge, a capital do estado norte-americano do Luisiana.
Angela compôs a sua primeira canção aos 14 anos, numa altura em que já dominava o piano e a guitarra. E também adorava cantar.
Quando terminou o liceu, disse ao seu pai que a única coisa que se imaginava a ser era música. Mas, o progenitor rejeitou a ideia. “Cantas para a família, mas não para o mundo”, lembra-se de o ouvir dizer.
“Eu amava-o tanto”, declara Angela. “E gostava de ser obediente.”
Por isso, pôs de lado as suas actividades profissionais e seguiu outro curso de vida, casando-se aos 19 anos e tendo quatro filhos, três rapazes e uma rapariga.
Fidel Castro chegou ao poder em 1959, acabando com a vida como a conheciam no seu país. Angela Alvarez e o seu marido, Orlando, que era engenheiro da indústria do açúcar, decidiram fugir para os Estados Unidos.
Porém, dada a sua profissão, Orlando foi inicialmente obrigado a permanecer em Cuba. Angela levou os seus filhos (o mais novo tinha 4 anos e o mais velho 15) para o aeroporto em Maio de 1962, mas os funcionários também a proibiram de deixar o país, dizendo que lhe faltava documentos. E a mulher tomou a difícil decisão de deixar os seus filhos irem sozinhos para os Estados Unidos. “Foi muito difícil para mim”, recorda.
Passaram-se vários meses até lhe ser concedida autorização para deixar Cuba, e assim que chegou a Miami, não era financeiramente elegível para reclamar os seus filhos, que viviam num orfanato em Pueblo, Colorado, através do programa de assistência social a que foram designados.
Por fim, depois de ter passado quase dois anos sem ver os seus filhos, conseguiu um trabalho a limpar um banco em Pueblo e pôde passar algum tempo com os seus filhos aos fins-de-semana. Vivia, na época, num pequeno apartamento numa cave.
A magia da música
No meio da difícil situação da sua família, Angela esforçou-se por preencher a vida dos seus filhos com felicidade, o que conseguiu através da música. Convidava outras crianças cubanas que viviam no orfanato a juntarem-se à sua família, e cantava-lhes canções para lhes recordar o lar.
O marido de Angela chegou aos Estados Unidos em Julho de 1966, e eles acabaram por se estabelecer em Baton Rouge. A vida foi boa durante algum tempo, até Orlando morrer de cancro do pulmão em 1977, aos 53 anos. Angela também perdeu a sua filha, que morreu de cancro em 1999.
Nos muitos desafios que enfrentou, Angela assume ter recorrido à música para lidar com a dor. E, ao longo da sua vida, compôs uma colecção de cerca de 50 canções, reflectindo tanto a tristeza profunda como a alegria da sua vida. “A música é a linguagem da alma”, resume.
Mas a sua música só era apreciada pela sua família e amigos, como o seu pai lhe tinha instruído.
Isso mudou há cerca de oito anos, quando o seu neto, Carlos José, decidiu gravar as suas canções. Carlos, que é compositor, cresceu a ouvir a sua avó cantar. E a sua carreira foi fortemente influenciada por isso.
Sempre que a visitava avó em criança, Angela “agarrava numa guitarra e cantava”, recorda Carlos, de 42 anos, que chama a avó de “Nana”. No entanto, à medida que a avó envelhecia, Carlos sentia a necessidade de preservar as suas canções para que os seus futuros bisnetos pudessem maravilhar-se com a sua voz, que descreve como “angélica e com alma”.
Por isso, levou um microfone a casa da avó e pediu-lhe para percorrer o seu tesouro pessoal de melodias. “Fi-lo apenas para a minha família”, assegura Carlos.
No processo, porém, ficou a saber de muitas coisas sobre a história da sua avó, como a sua esperança eterna de se tornar cantora.
“Não tinha percebido que estas canções eram como um diário da sua vida. Tudo fazia sentido”, aponta. “Pode-se ouvir a vida que ela viveu nas suas canções.”
“Senti-me tão inspirado naquele momento”, lembra Carlos, acrescentando que decidiu que um dia levaria a sua avó para um estúdio de gravação e produziria um álbum adequado do seu trabalho. Sabia bem o que isso significaria para Nana.
“Disse-lhe um dia que gostaria de fazer um CD, porque gostaria que as pessoas conhecessem a minha música”, recordou Angela.
O sucesso aos 90
Nos anos que se seguiram, Carlos concentrou-se no crescimento da sua própria carreira e colocou o futuro álbum da sua avó na gaveta. Até 2016, quando o seu amigo Misha'al Al-Omar lhe perguntou: “Estás à espera que ela morra?”
A pergunta “deitou-me abaixo”, disse Carlos. E tratou de arranjar maneira de levar a avó a Los Angeles, onde vive, para gravar as canções num estúdio profissional. “Ela ficou super animada pela ideia.”
Para além de produzir o álbum de 15 faixas da sua avó, intitulado Angela Alvarez, Carlos decidiu que a história da sua Nana também deveria ser objecto de um documentário. Uma equipa de músicos que ele tinha reunido para trabalhar no álbum concordou. “Isto é demasiado grande para manter apenas dentro da família”, lembra-se de ter pensado.
O actor cubano-americano Andy Garcia, que é amigo de Carlos, ouviu falar da história e ficou comovido. Ofereceu-se para produzir e narrar o documentário, intitulado Miss Angela. O filme conta a vida de Angela, o seu amor pela música e o seu caminho para seguir uma carreira de cantora aos 90 anos.
Tanto o documentário como o álbum foram lançados em 2021, e Angela ficou encantada com o resultado. O seu sonho de se tornar música profissional tinha sido cumprido. “Sinto-me muito feliz, e muito orgulhosa”, disse Alvarez, que realizou o seu primeiro concerto público no dia do seu seu 91º aniversário. E cativou de imediato o público.
No ano passado, a carreira de Angela disparou mais do que pensava ser possível. Andy Garcia encorajou-a a fazer uma audição para o papel de Tia Pili no remake de 2022 Pai da Noiva, que o actor protagoniza, e a cubana conseguiu o papel.
Ainda assim, a derradeira conquista até agora foi a nomeação para um Grammy Latino, de Melhor Novo Artista , que foi anunciada em Setembro. “Pensei que era mentira”, declara.
Angela Alvarez vai assistir aos Prémios Grammy Latino 2022, em Las Vegas, a 17 de Novembro, com o seu neto, e tem agendada uma actuação. Pelo meio, espera que a sua história ensine as pessoas a “nunca dizer ‘Não consigo'”.
Para Carlos, a nomeação é também memorável. “Como músicos, precisamos de celebrar sempre a música que nos é apresentada”, diz. “O facto de ter sido nomeada para melhor nova artista pela música que começou a escrever nos anos 40 [do século passado] é simplesmente inacreditável.”
“A ideia de que aos 95 anos ainda se pode ser reconhecido pelo que se fez é ouro. E somos todos que ganhamos. Ganhamos a todos os níveis.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Carla B. Ribeiro