A competir sem o hijab, Elnaz Rekabi acentuou a escalada de protestos contra o regime no Irão
Atleta de 33 anos foi quarta classificada nos Campeonatos da Ásia, mas destacou-se essencialmente por surgir de rosto descoberto, contrariando as leis do país de origem.
No final do ano passado, em Moscovo, Elnaz Rekabi captou as atenções pela qualidade que mostrou na prova combinada de escalada. Em pleno Campeonato do Mundo, a iraniana arrebatou a medalha de bronze, revelando uma faceta pouco conhecida do desporto feminino do país. Neste domingo, voltou a estar em destaque, mas não necessariamente pelo quarto lugar que obteve nos Campeonatos da Ásia, em Seoul: desta feita, mostrou a coragem de quem não tem medo de enfrentar o regime e competiu sem o hijab, o que é expressamente proibido no Irão.
A surpresa tomou conta dos espectadores que viram Elnaz Rekabi, na capital da Coreia do Sul, surgir por trás da cortina de cabeça descoberta. Com o cabelo preso num rabo-de-cavalo e uma fita em redor, a atleta de 33 anos entrou em competição, na prova de escalada, com um objectivo desportivo na mira e uma tomada de posição política clara, contrariando as leis que vigoram no país de origem desde o final da década de 1970.
O habitual, nas diferentes modalidades em que o Irão tem estado representado no desporto feminino, tem sido as atletas competirem com o hijab vestido ou pelo menos com um lenço a cobrir a cabeça. Foi assim, por exemplo, com a primeira iraniana a participar nuns Jogos Olímpicos depois da revolução islâmica (Lyda Fariman, no tiro com carabina). É assim com todas as selecções, mesmo de desportos colectivos, como o voleibol ou o futebol.
Elnaz Rekabi decidiu, porém, combater esta prática. Ao entrar em prova de rosto descoberto, assumiu uma posição pessoal, de força, que contribuiu para elevar o tom dos protestos que tomaram conta do país (e não só) após a morte de Mahsa Amini, há pouco mais de um mês. Decidiu enfrentar o regime de Teerão e fazê-lo em directo para todo o mundo.
O quarto lugar que conseguiu é apenas um detalhe nesta história, acima de tudo porque a atleta está bem consciente das consequências que poderá enfrentar e que poderão ir de uma simples multa à exclusão da selecção, passando por pena de prisão efectiva ou a proibição de regressar ao país. Em 2017, de resto, a xadrezista Dorsa Derakhshani foi mesmo afastada da equipa nacional por ter surgido sem o véu numa competição em Gibraltar.
No plano estritamente desportivo, a ascensão de Rekabi é ainda mais surpreendente porquanto se treina praticamente sozinha, já que em Teerão não é capaz de encontrar concorrência à altura - e treinar-se com os homens é proibido. Em 2016, na altura da participação na Taça do Mundo de escalada, assumia a dimensão do desafio que abraçara: “O meu núcleo de amigos encoraja-me a continuar, mas é verdade que sempre que me perguntam o que faço ficam espantados. Uma escaladora feminina? Mas isto também ajuda outras mulheres a arriscarem e a praticarem este desporto”.
Reconhecendo que o uso do hijab começou por ser “bizarro” para as adversárias, que se mostravam curiosas sobre a forma como lidava com este obstáculo extra em contextos de temperatura elevada, Elnaz Rekabi assumiu também as dificuldades que esta prática comporta em competição. “Claro que, quando está muito calor, o hijab se torna um problema. Durante a prova o corpo precisa de expulsar o calor, mas tentámos criar um fato que respeite o hijab e seja compatível com a prática de escalada”, explicou. Uma indumentária que, desta vez, deixou o rosto de fora.