Rússia vai anunciar anexação de regiões da Ucrânia: e agora?
Cerimónia de anexação de quatro regiões será esta sexta-feira no Kremlin. Que consequências terá? Perguntas e respostas sobre uma decisão que não será reconhecida no Ocidente.
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O que vai acontecer na sexta-feira?
O porta-voz do Kremlin confirmou o que há muito se especulava: a Rússia vai anexar formalmente quatro regiões da Ucrânia que estão actualmente sob ocupação militar russa ou são controladas por forças separatistas.
A cerimónia decorrerá em Moscovo, às 15h locais (13h em Lisboa), e consistirá na assinatura de “tratados para adesão dos territórios à Federação Russa”, seguidas de um discurso do Presidente russo, Vladimir Putin. Na Praça Vermelha, em frente ao Kremlin, estão montados um palanque e um ecrã gigante com a mensagem “Donetsk, Lugansk, Zaporijjia e Kherson. Juntos para sempre!”
Esta decisão segue-se aos pretensos referendos?
Sim e já era esperada. Desde que a realização dos pretensos referendos foi anunciada, na terça-feira da semana passada, que se supunha que este era um passo no plano de anexação, tal como aconteceu com a Crimeia em 2014.
À semelhança da anexação da península, há oito anos, também agora decorreu tudo de forma muito rápida. Em apenas duas semanas foram realizados os “referendos”, proclamaram-se os resultados, os líderes separatistas pediram formalmente a adesão à Rússia e os decretos de entrada serão assinados.
Porque é que Kiev e o Ocidente não reconhecem legitimidade aos pretensos referendos?
Como foram realizados sob ocupação militar, estes pretensos referendos não decorreram em liberdade. Os próprios órgãos de comunicação social russos divulgaram imagens de eleitores a votarem nos seus prédios e em locais públicos sem qualquer privacidade, rodeados de funcionários e, por vezes, de soldados. Há ainda relatos de ucranianos que dizem ter sido ameaçados e forçados a votar pela unificação com a Rússia para não sofrerem retaliações.
Os pretensos referendos não foram acompanhados por observadores internacionais independentes, nomeadamente os da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que denunciou a sua ilegalidade e declarou que “o seu resultado não terá qualquer força legal”.
Por outro lado, milhões de habitantes destas quatro regiões fugiram no decorrer da invasão russa, pelo que a participação eleitoral não reflecte a população local pré-existente.
Que resultados tiveram os pretensos referendos?
Sem surpresa, a adesão à Rússia venceu por esmagadora maioria nas quatro regiões. Segundo as autoridades locais disseram à agência russa Tass, 89% dos eleitores votaram a favor em Kherson, 93% em Zaporijjia, 99% em Donetsk e 98% em Lugansk.
De quanto território estamos a falar?
Actualmente, os soldados russos e seus aliados controlam mais de 90 mil quilómetros quadrados de território ucraniano, ou cerca de 15% – ou seja, é uma área semelhante à de Portugal ou da Hungria. Segundo alguns analistas, como o editor de Defesa da revista The Economist, Shashank Joshi, trata-se da “maior anexação forçada de território europeu desde a Segunda Guerra Mundial”.
Quais são as consequências da anexação formal?
Assim que os quatro territórios estejam formalmente integrados na Federação Russa começa a aplicar-se ali a Constituição do país, avisou o porta-voz do Kremlin esta semana. Isso significa que Moscovo vai encarar qualquer ataque àquelas zonas como um ataque directo ao seu território e promete retaliar. Uma vez que a Ucrânia não reconhece a legalidade da anexação e mantém as suas contra-ofensivas a leste e a sul, existe um risco de o conflito se intensificar, nomeadamente com o possível recurso a armas químicas ou nucleares.
Nenhuma das quatro regiões que a Rússia vai anexar se encontra totalmente sob controlo militar russo e as tropas ucranianas têm conseguido avanços pelo menos em Kherson e Lugansk. Ao declarar a anexação da totalidade das regiões e não apenas da parte que já controla, a Rússia legitima, aos seus olhos, a conquista do restante território que lhe falta.
Por outro lado, os ucranianos em idade de combate que vivam nestas regiões podem ser chamados pela Rússia a prestar serviço militar – não no âmbito da mobilização parcial decretada na semana passada, mas no âmbito da habitual conscrição de Outono, que se realiza anualmente.
O perigo de um ataque nuclear aumenta com esta decisão?
Em teoria, sim. A doutrina militar russa prevê a possibilidade de uso de armas nucleares em caso de ataque directo ao território russo – como estas quatro regiões passarão a ser reconhecidas agora em Moscovo. Vladimir Putin garantiu que “isto não é bluff” e que usará todos os meios à sua disposição para proteger o país.
Esta ameaça poderá ter como consequência uma interrupção ou um abrandamento do fornecimento ocidental de armas à Ucrânia, embora, para já, não haja sinais disso: os Estados Unidos anunciaram na quarta-feira que vão enviar mais material militar, incluindo 18 Himars.