Afinal, a Sérvia não é só talento desgovernado

A equipa dos Balcãs garantiu nesta terça-feira o direito a nadar na “piscina dos grandes”, ao subir à primeira divisão da Liga das Nações. Desde que começou a competir como Sérvia, a selecção vinha a ser um redondo zero em provas importantes, mas isso pode estar a mudar.

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Jogadores da Sérvia celebram em Oslo EPA/Fredrik Varfjell

“Têm sempre bons jogadores, mas aquilo nunca funciona.” Esta frase já batida é um clássico jargão futebolístico para definir a selecção de futebol da Sérvia. No lote dos balcânicos, há sempre talento em grandes doses, mas também um desnorte emocional e táctico que já se tornou sina – falha sempre qualquer coisa.

Euro 2008: viu em casa. Mundial 2010: falhanço na fase de grupos. Euro 2012: novamente no sofá. Mundial 2014: mais uma prova pela televisão. Euro 2016: mais do mesmo. Mundial 2018: repetição de um falhanço na fase de grupos. Desde que começou a competir como Sérvia, já longe da Jugoslávia e da aliança com Montenegro, a selecção vinha a ser um redondo zero em provas importantes.

Mas está a conseguir, finalmente, dar um passo em frente. A equipa garantiu nesta terça-feira o direito a nadar na “piscina dos grandes”, ao subir à primeira divisão da Liga das Nações. Deixando para trás a entusiasmante evolução do futebol norueguês, às costas e às custas de Erling Haaland – mas não só –, a Sérvia confirma as indicações que tem dado nos últimos meses.

Trata-se de um sucesso colectivo raro numa selecção que teimava em falhar, mas que encontrou um grupo capaz de funcionar: conseguiu o apuramento para o Mundial 2022 e conseguiu, agora, a subida à nata da Liga das Nações.

Sendo certo que a relevância competitiva desta prova é discutível, é certo também que a Sérvia repetiu um sucesso – e isso, quando se fala desta selecção sempre errática, já é notícia.

Todos para a frente

Para superar a Noruega, a Sérvia teve de ir a Oslo vencer (2-0), já que só assim poderia acabar em primeiro lugar do grupo. Para vencer precisa de marcar e para marcar precisa de “artilharia pesada” na arte de atacar. Nesse sentido, o seleccionador Dragan Stankovic tratou de colocar em campo Zivkovic, Kostic, Tadic, Mitrovic e Vlahovic. O que todos eles têm em comum não é apenas a tradicional terminação em “ic”, mas também – e mais importante – os tremendos predicados ofensivos.

Com um 3x5x2 de grande propensão ofensiva, a Sérvia teve de encontrar uma via para conciliar todo aquele talento – no fundo, teve de fazer na Noruega aquilo que tem sido o grande desafio nos últimos anos, com equipas sempre recheadas de craques.

A ideia foi quase sempre ter Kostic bem aberto – o mesmo que faz na Juventus –, explorando o jogo interior de Tadic, solto para andar por onde quis. Depois, bastava servir as duas “bestas” que estão na frente: Mitrovic e Vlahovic, ambos fortes a jogar de costas para a baliza e a finalizar, quer pelo ar, quer pelo chão.

E quem tem um ataque destes arrisca-se a que tudo funcione. O primeiro golo teve precisamente criação de Tadic em zona interior, com exploração da largura de Kostic, que serviu a finalização “à ponta-de-lança” de Vlahovic. E esta já tinha sido uma segunda tentativa depois de um lance de Tadic finalizado por Vlahovic de cabeça, mas com defesa de Nyland.

Depois, numa transição, foi a vez de Mitrovic dizer que também sabe fazer umas coisas. O avançado do Fulham continua a mostrar que está a fazer uma carreira bem abaixo do que poderia fazer e “matou” um contra-ataque com uma finalização de grande classe.

Sendo certo que um 3x5x2 com este tipo de jogadores em campo poderá ser um “suicídio” frente a equipas mais dotadas do que a norueguesa – embora Haaland e companhia mostrem já estar num patamar bem mais alto do que era habitual –, o certo é que a Sérvia será sempre, pelo menos no plano ofensivo, uma equipa capaz de destruir qualquer defesa.

E sê-lo-á mais ainda enquanto existir Tadic. O capitão da Sérvia voltou a mostrar um talento acima dos demais e, tal como Mitrovic – e tantos outros sérvios condenados a sinas semelhantes –, parece estar a ter uma carreira abaixo do que poderia ter sido.

O criativo do Ajax é, aos 33 anos, um jogador mais “refinado” e inteligente do que nunca, mantendo o talento no pé esquerdo – e mostra-o pela esquerda, pela direita, pelo centro, entre linhas, em apoios frontais ou na definição.

E, a talhe de foice, importa acrescentar que tudo isto foi feito sem a presença de Milinkovic-Savic e sem a titularidade de Luka Jovic. Por fim, nota para um detalhe relevante: Erling Haaland foi praticamente irrelevante neste jogo. E também isto é notícia.

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