“Foi indescritível! Andámos a flutuar”: alunos portugueses foram astronautas por um dia
A partir da Base Aérea de Beja, 31 estudantes entre os 14 e os 18 anos participaram num voo em que experimentaram a sensação de gravidade zero, que é semelhante à que sente no espaço.
Quase que dá para ver do espaço o entusiasmo de Francisca Oliveira. De fato de astronauta envergado, um sorriso bem rasgado e os olhos esbugalhados de motivação, a aluna de 16 anos está numa roda com outros estudantes a ouvir os últimos conselhos do seu instrutor de voo. “Ouçam sempre os nossos conselhos e, se estiverem nervosos, digam-nos”, diz Sébastien Rouquette, também de fato-macaco “espacial”. Mas a estudante riposta logo: “Estou mais entusiasmada do que nervosa. Confio nos pilotos e sei que esta vai ser uma experiência maravilhosa! Quero saltar e experimentar fazer flexões e agachamentos em gravidade zero.”
Num outro grupo, mesmo ao lado, Tiago Oliveira também deixa promessas antes de voar. “Participo num rancho folclórico e quero fazer a primeira dança de rancho folclórico em gravidade zero. Vou tentar cumprir isto.” E, antes de entrar no avião para ter uma experiência em gravidade zero, demonstra um passo de rancho em ritmo de valsa. “Um, dois, três,… um, dois, três”, cantarola a dançar.
Embora leve ritmos do solo terrestre, já encarnou o espírito de astronauta no espaço – e não só pelo fato que tem inscrito o seu nome acompanhado pela inscrição da Agência Espacial Portuguesa. O estudante de 15 anos espera que o voo parabólico que vai fazer dentro de momentos seja apenas o primeiro de muitos. “Na minha terra, em Freixianda [no concelho de Ourém], até já me chamam o astronauta.”
Na pista da Base Aérea N.º 11, em Beja, um avião onde se lê em letras bem grandes “Air Zero G” lá o espera. A ele, a Francisca Oliveira e a mais 29 alunos entre os 14 e os 18 anos. Todos eles foram seleccionados pela iniciativa “Zero-G Portugal - Astronauta por um Dia” para fazerem um voo parabólico, em que podem experimentar a sensação de gravidade zero, que é semelhante à que os astronautas sentem no espaço.
Neste concurso promovido pela Agência Espacial Portuguesa, em colaboração com a agência Ciência Viva e a Força Aérea Portuguesa, houve 460 candidaturas e foram feitos testes a diferentes competências até se chegar aos 31 eleitos. Também esteve envolvido no processo o Centro de Psicologia da Universidade do Porto.
Uma futura vida espacial?
O caminho até chegar aqui ainda foi longo, mas Francisca Oliveira estava tão convicta que queria fazer este voo que tudo lhe pareceu fácil. Um dia antes do voo, na quinta-feira, já não conseguia guardar o contentamento. Assim que pôde foi logo buscar o fato de astronauta, que estava reservado em cima de uma mesa e que tinha já o seu nome.
Mesmo nessa euforia, manteve a calma para ouvir as explicações do instrutor Sébastien Rouquette, que é gestor de voo parabólico no Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES, na sigla em francês), a agência espacial francesa. “Nunca experienciaram isto em terra. São uma parte dos sortudos que vão experimentar a sensação de andar em Marte”, transmite a um grupo de alunos, conseguindo aumentar ainda mais o rastilho de entusiasmo que já se sente. “Uau”, ouve-se em uníssono de vozes adolescentes. “Será espectacular, mas vão ter mesmo de ouvir os nossos conselhos. Vai ser uma espécie de magia, mas é apenas física”, lança ainda o instrutor. “Vai ser uma experiência mágica”, completa Francisca Oliveira.
A estudante do Colégio do Ave, em Guimarães, cresceu com esta magia do espaço. “Desde que era pequena que os desenhos animados que mais gostava eram os do espaço. Gostava de fazer observações ao telescópio com a minha mãe”, relembra. Foi também em família que soube desta iniciativa: “Num dia à noite, estávamos a ver televisão e, enquanto jantávamos, estávamos a ouvir o comentador Luís Marques Mendes a falar na televisão e ele mencionou o nome do projecto. Fui pesquisar e candidatei-me.”
E já está convicta de outros voos futuros. “Tenho o meu futuro mais ou menos delineado. Gosto muito de biologia, de física e química. Por isso, gostava de estudar medicina aeroespacial. É isso que me vejo a fazer no futuro.” Agora lá vai ela voar, mas ainda como estudante.
Num outro grupo, está Tiago Oliveira, com amigos que já fez nesta iniciativa. No momento, está com Rita Gomes, de 16 anos, do Colégio de Santa Doroteia (Lisboa), e Gonçalo Ferreira, de 14 anos, da Escola Secundária Castelo Branco, em Vila Real. “Conhecemo-nos todos aqui. Todos gostamos da área aeroespacial”, diz logo Tiago Oliveira, actualmente na Escola Secundária de Ourém. E Rita Gomes corrobora: “Percebemos que temos muito em comum. Aliás, isto foi uma das melhores coisas desta experiência: encontrar pessoas com os mesmos gostos que nós e que partilham este mesmo interesse.” À sua volta, outros estudantes tiram fotografias ao som do lema: “Experiência da nossa vida.”
O fascínio pelo espaço nasceu em Rita Gomes quando ainda era bem mais nova. Agora, segue nas redes sociais tudo o que esteja relacionado com o espaço. Aliás, foi assim que soube desta iniciativa: segue a Agência Espacial Portuguesa. “Assim que vi as candidaturas, nem pensei duas vezes e candidatei-me.” Já Gonçalo Ferreira foi informado pelo avô, que teve conhecimento do concurso pelas notícias. E Tiago Oliveira soube através da sua antiga professora de Física e Química.
Todos querem um dia pertencer, de verdade, ao mundo do espaço. Inicialmente, o que interessava Tiago Oliveira era o lançamento de foguetões, mas, entretanto, já ganhou gosto pela astrofísica, a cosmologia ou os buracos negros. “Gostava de seguir aeroespacial. Tenho pensado muito na Agência Espacial Portuguesa… Era algo que gostava mesmo de vir a fazer parte.” Agora, já vai ter um gostinho dessa possível futura vida e até vai fazer o voo com um astronauta a sério, o alemão Matthias Maurer, que esteve em Beja a acompanhar o voo e a dar uma conferência. Nesse evento, Tiago Oliveira até lhe perguntou se, quando esteve no espaço, viu a sua terra da Estação Espacial Internacional. E a resposta foi afirmativa. “Fiz-lhe essa pergunta porque um dia também gostava de ver a minha terra, Freixianda, lá de cima.”
Gonçalo Ferreira gosta é da ideia de o desconhecido que o espaço traz atrelado. Rita Gomes também tem nas suas metas estudar engenharia aeroespacial, mas, neste momento, o seu maior feito será fazer este voo parabólico. “Desde que descobri a existência destes voos que tem sido um grande objectivo realizá-los. Estou, finalmente, realizar esse grande sonho.”
O que acontece no voo?
Por volta das 10h desta sexta-feira, lá partiu o avião. Lá dentro, depois de uns vulgares bancos de cabine, os alunos atravessam uma rede preta e deparam-se com um espaço branco com chão almofado. Será esse o local em que estarão em gravidade zero. Os alunos estão separados em quatro grupos denominados Marte, Júpiter, Saturno e Lua. Durante a experiência, são apoiados por várias pessoas na viagem, para que tudo decorra em segurança. Também serão acompanhados por outros adultos que farão este voo.
Desta vez, em Beja, Hugo Costa está só a acompanhar os alunos, mas o director executivo da Agência Espacial Portuguesa já fez alguns voos parabólicos. E aproveita para nos explicar o que está a decorrer dentro do avião. “É um voo que simula o ambiente de gravidade zero no mesmo avião onde treinam os astronautas antes de irem para o espaço”, esclarece. “É um avião onde são feitas as experiências antes de irem para a Estação Espacial Internacional. Os 31 estudantes a bordo do avião vão sentir o que sentem os astronautas quando estão em gravidade zero.”
No máximo, o avião vai até aos 8500 metros e está a voar sobre o oceano Atlântico e a costa portuguesa numa viagem de cerca de duas horas. Este é um voo que descreve uma parábola. Aquilo que acontece é: na zona ascendente ficamos com duas vezes o nosso peso, por causa da força que os motores fazem para a subida. Depois, há uma transição, em que existe uma redução da força dos motores e o avião entra em queda livre.
“Aqui já se está em gravidade zero. Quem está no avião vai sentir-se a flutuar. É aí que se sente que se está a voar em gravidade zero”, nota Hugo Costa. “São cerca de 20 segundos em gravidade zero e há 16 parábolas.” Na primeira parábola é possível simular a força gravítica de Marte e, nas duas seguintes, a da Lua. As restantes são com gravidade zero. E como é mesmo a sensação de se estar em gravidade zero? “Sentimo-nos livres e que podemos voar”, transmite o director executivo.
Este voo foi feito pelo avião Airbus A310, que é propriedade da Novespace, uma empresa francesa subsidiária da agência espacial francesa. “É a única empresa na Europa que faz este tipo de voos e é o primeiro voo que esta empresa vai fazer fora do espaço aéreo francês”, informa Hugo Costa. E é o primeiro voo parabólico em Portugal.
Mas já estão a ser pensados novos voos. Para o próximo ano, planeia-se fazer outro voo para o programa Zero-G Portugal - Astronauta por um Dia. Depois, o objectivo é fazer uma campanha de voos científicos dentro de dois ou três anos. “A preparação será muito maior e será aberto não só à comunidade portuguesa como também à estrangeira.” Sobre se serão feitos a partir de Beja, Hugo Costa responde que será algo que ainda terá de ser visto, mas que “a Base Aérea N.º 11 oferece todas as condições”.
Por agora, está concentrado na iniciativa com os alunos portugueses. “Cada vez mais o espaço é preponderante na nossa sociedade e, desta forma, procuramos levar o espaço a todos. O espaço precisa de todas as áreas do conhecimento e temos aqui jovens de todos os backgrounds”, refere. Durante este ano lectivo, os jovens serão os embaixadores do espaço nas suas escolas e, além disso, espera que também o levem para as suas casas. A sua missão será inspirar quem os rodeia pelo seu gosto pelo espaço. “Vamos ter o espaço a ser discutido à mesa do jantar. Acredito que serão a geração que com mais facilidade irá ao espaço.”
Faltam palavras...
À espera da chegada desta geração, mas, neste caso do voo que foram fazer esta sexta-feira, estão os familiares dos 31 estudantes. Lá ao fundo, já se vê o avião a chegar e as câmaras dos telemóveis viram-se automaticamente para esse local. Assim que os recém-astronautas são avistados em terra há uma salva de palmas.
Ainda mal saíram do avião, os alunos querem contar tudo, comentam a experiência uns com os outros e faltam-lhes palavras para descrever o momento. “Foi indescritível! Superou as minhas expectativas. Vai ser mesmo para repetir. Houve partes em que parecia a descida de uma montanha-russa”, diz, de rajada, Gonçalo Ferreira, a gesticular um movimento de descida a pique. Perto de si, Rita Gomes tem exactamente o mesmo problema: faltam-lhe as palavras para descrever o momento. “Foi uma experiência surreal. Foi incrível sentir o que os astronautas sentem na Estação Espacial Internacional.” Agora, já só pensa no próximo voo.
Já Tiago Oliveira ainda vem meio hesitante nos passos que dá. O voo começou por lhe parecer uma sensação estranha, mas no final já se estava a habituar. E os passos de rancho? “Tentei fazer a valsa [no momento da gravidade] em Marte”, ainda nos conta, mas assume que a dança não saiu como sai em terra. “Acho que agora, se fosse outra vez, já conseguia fazê-los.” Nesta experiência, conseguiu algo que nunca tinha alcançado em solo: deu mortais e simulou o voo do super-homem. Ao seu lado teve, muitas vezes, Matthias Maurer – isso já ninguém lhe tira. “O astronauta puxou-me para baixo numa das vezes. Íamos a aproveitar. Ele andava de um sítio para o outro.”
Saiu desta experiência tão entusiasmado que, nos próximos tempos, vai querer divulgar esta e outras iniciativas do género. “Gostava até de levar o fato de astronauta para o ensaio [do rancho] ou para a escola. Antes nem queria mesmo ser astronauta, mas agora vou mesmo pensar nisso.”
Neste dia, já foi mesmo um astronauta e até recebeu um diploma numa cerimónia, em que estiveram presentes Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, e a Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, que até vestiu um casaco “de astronauta” com o seu nome. “Foi a comandante deste dia”, assinalou ao microfone, para todos, Ricardo Conde, quando dava o casaco à ministra.
Depois de receber o seu diploma, Francisca Oliveira abraça, finalmente, os pais. “Ainda vens a flutuar”, comenta o pai, Pedro Oliveira. Mas ela mostra-se forte e, de postura firme, conta-lhe que fez mortais e as (prometidas) flexões. “É uma sensação indescritível. Não dá para explicar em palavras o facto de não termos peso e andarmos a flutuar. Sentir o nosso peso duplicar é outra coisa estranha e, em terra, as pessoas não sentem isso. Somos pioneiros”, relata a estudante. “Queria que este fosse o primeiro de muitos [voos parabólicos]. Estou mais que decidida!”
O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Portuguesa