Comité de Ética abre caminho à legalização da morte assistida em França
Parecer estabelece condições inultrapassáveis e advoga um reforço dos cuidados paliativos. Emmanuel Macron vai lançar um debate nacional e quer lei até ao fim do próximo ano, mas não exclui um referendo.
O Comité Nacional de Ética francês declarou esta terça-feira que “existe uma via para a aplicação ética de uma ajuda activa à morte”, abrindo a possibilidade de França vir a legalizar a eutanásia e o suicídio assistido. Emmanuel Macron, que na campanha presidencial prometeu lançar o debate sobre o assunto durante este seu segundo mandato, quer iniciar a discussão já em Outubro para ter uma lei pronta no fim de 2023.
O Presidente francês declara-se “pessoalmente” favorável à eutanásia e chegou a dizer em 2017 que “desejava escolher o [seu] fim de vida”. Mas na segunda-feira, quando já tinha na sua posse o parecer ético que foi divulgado publicamente esta terça, Macron reconheceu que “este é tudo menos um assunto fácil e simples” e que “é necessária uma convenção cidadã que de forma honesta esclareça e faça propostas”.
Com 63 páginas, que resultaram de sensivelmente um ano e meio de trabalho, o parecer do Comité Consultivo Nacional de Ética para as Ciências da Vida e da Saúde considera que a morte assistida pode ser considerada com “certas condições estritas, com as quais será inaceitável transigir”. Concretamente, o comité refere-se aos pacientes com “doenças graves e incuráveis, provocadoras de sofrimentos físicos ou psíquicos irreversíveis, em que o prognóstico vital está comprometido a médio prazo”.
A adopção de uma lei nesse sentido deverá “aliar de uma forma indissociável um reforço das medidas de saúde pública em favor dos cuidados paliativos”, refere ainda o parecer, sublinhando que “não seria ético” avançar com a aprovação da morte assistida se essas medidas “não forem tidas em conta”.
Estas recomendações tiveram o apoio maioritário dos membros do comité, mas oito pessoas subscreveram uma “reserva” que exige o cumprimento de pré-requisitos antes de se discutir a legalização da morte assistida. Entre eles estão “a avaliação dos numerosos dispositivos legislativos existentes”, “uma análise concreta dos pedidos de ajuda activa a morrer” e “um acesso aos cuidados paliativos e um acompanhamento global e humano para toda a pessoa em fim de vida”.
Para a elaboração do parecer foram ouvidas 32 pessoas e entidades, incluindo um bispo católico, as principais lojas maçónicas francesas, o principal rabino de França, um líder muçulmano, juristas, médicos de várias especialidades e filósofos. O comité não se pronuncia sobre a oportunidade de uma eventual lei – diz “se o legislador se debruçar sobre o assunto” – e afirma que agora é essencial abrir-se “um tempo de diálogo e de escuta respeitosa”.
A actual legislação francesa proíbe a eutanásia e o suicídio assistido, mas prevê a possibilidade de ser aplicada “uma sedação profunda e contínua [ao paciente] até à morte” em casos de doença terminal que provoquem grande sofrimento.
Na campanha para as presidenciais de Abril, Macron disse a uma apoiante que lhe pediu que legalizasse a eutanásia que era favorável à aplicação do modelo belga, em que as pessoas, incluindo menores de idade, podem pedir a eutanásia em certos casos. O parecer do Comité de Ética refere-se apenas às “pessoas maiores”.
“Ninguém quer morrer indignamente”, comentou o Presidente na segunda-feira, referindo-se às sondagens segundo as quais cerca de 80% dos franceses quer “morrer com dignidade”. Para Macron, esta resposta não significa que a morte assistida tenha um apoio maioritário da sociedade. “Um referendo não é um caminho que eu exclua”, admitiu.
Referendo é a proposta de Marine Le Pen, da União Nacional, que disse já esta terça-feira à France 2 que “cabe ao povo francês tomar a decisão”. A líder da extrema-direita opõe-se pessoalmente à morte assistida: “Temos uma lei bem feita, não precisamos de ir mais longe.”