Escrever sobre a escrita
Um conjunto de textos à volta da escrita e cheios de frases feitas ficou uns anos em banho-maria… “São contos para ler, tresler e contar”, diz o autor e editor, João Manuel Ribeiro.
No título do livro, brinca-se logo com a expressão “nem te digo nem te conto” e será assim ao longo dos cinco textos, “unidos pela temática da escrita”. Mas é sobretudo em Um conto especialmente difícil que se junta e vira do avesso algumas expressões idiomáticas, “indicando como, às vezes, é difícil permanecer dentro do tema sobre o qual se quer escrever”, descreve o autor, João Manuel Ribeiro.
Hábil com as palavras, o também editor da Trinta por Uma Linha consegue divertir o leitor ao mesmo tempo que o põe a pensar no processo de criação de narrativas. No conto Ai-não-me-lembro descreve “o difícil caminho que vai da ideia ao texto”. Já o conto inicial, Não, não, sim, sim, “fala das desventuras de um jovem escritor que procura a perfeição da sua escrita”.
Excerto: “Certo ‘Ai-não-me-lembro’ estava tão obstinado por lembrar-se que procurou entre os seus companheiros alguém que pudesse ajudá-lo. Precisava de conhecer-se, descobrir as lembranças e recordações mais profundas do seu ser. O primeiro semelhante que encontrou foi a simpática e palavrosa ‘Já-te-conto’. E bem depressa lhe descobriu a careca, que é como quem diz, os defeitos. O seu maior gosto, concluiu, é dar à língua, palavrear, palrar por tudo e coisa nenhuma.”
Este conjunto de textos foi escrito em 2014, mas a publicação data de Janeiro deste ano. Diz o editor: “Fosse pela crise provocada pela troika, fosse pela pandemia, fosse pela falta de oportunidade, o livro ficou esquecido nos arquivos da editora.” Mas, agora, já cá canta…
Doutorado em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, João Manuel Ribeiro explica que, “segundo certa corrente educativa, estes contos são uma investigação sobre a acção, ou seja, são contos sobre a arte dos contos, histórias sobre a arte de escrever histórias”. Uma ferramenta que lhe é útil nas oficinas de escrita que ministra a jovens e a adultos. O também poeta e investigador faz mentoria de escrita de literatura infantil e juvenil.
Não mostrar tudo o que o texto diz
A ilustradora, Bolota (Patrícia Alves), diz ao PÚBLICO sobre os contos: “Divertidos, complexos e simples simultaneamente, são pequenos textos que contam muito e por isso não foi assim tão fácil ilustrá-los, mas acabei por definir uma identidade visual que se adequa.” Usou técnica mista: “Um pouco de desenho a lápis e caneta e um pouco de digital.”
Formada em Design, descreve assim o seu modo de trabalhar: “Quando ilustro, tento mostrar a beleza das coisas, do simples e do único, da minha perspectiva. Ilustro para mim, para os autores dos textos e para os leitores, e gosto sempre de deixar espaço nas ilustrações, não preciso de mostrar em imagem tudo o que o texto diz, para o leitor poder imaginar e dar continuidade à ilustração na sua perspectiva.”
João Manuel Ribeiro refere ainda sobre as duas últimas histórias: O avô cangalhas, criado num registo autobiográfico, “mostra como as memórias, as histórias dos avós são, tantas vezes, uma verdadeira oficina de escrita criativa”; já no Dez dedos de conversa, “mostra-se que as histórias nascem do coração e da cabeça, mas também (dos dedos) das mãos”. Ali se escreve: “Os dedos de cada mão e de ambas as mãos funcionam como uma equipa, apesar das diferenças entre si. Todos trabalham, tintim por tintim, para que com as mãos se possa fazer a paz, o abraço e o rumo desta história.” Assim foi, assim será...