Jô Soares. Chorar sem ser de rir
O apresentador e comunicador Júlio Isidro recorda Jô Soares.
A notícia chegou no dia 31 de Outubro de 2014; o único filho de Jô Soares, Rafael, tinha morrido. O humorista ficava vazio do seu “menino”, marcado pelo autismo. Depois de uma vida difícil, sempre acompanhado pelo popular humorista, Rafael partiu aos 50 anos.
Três dias depois, aconteceu o acto quase impossível (digo eu que sou atraiçoado tantas vezes por emoções à frente das câmaras), Jô Soares dedicou o seu talk show na Globo à morte do herdeiro com uma introdução de destroçar os corações. Um texto de grande riqueza poética, as recordações do filho agora perdido, o elogio da esperança no futuro, tudo sem lágrimas ou a voz embargada.
Do lado de cá, eu e milhões choravam convulsivamente para no final aplaudirmos de pé o enorme homem da comunicação que foi Jô Soares.
Enorme sim, mas nunca gordinho, adiposo ou forte, expressões que odiava. Era gordo, gostava de comer abundantes sanduíches de madrugada e queria ser como era.
Jô não merecia diminutivos porque não limitava a sua existência à pequena dimensão, como aquela personagem, o anão, que acabava sempre a dizer que o bullying de que era vítima “era só porque eu sou pequenininho”.
Quem passa pela vida fazendo o que Jô fez na vida, autor, escritor, comediante, actor, apresentador, realizador, encenador, músico, artista plástico e tudo, como diria Almada Negreiros, deixa marcas profundas, na cultura do seu país e do nosso.
Afirmava que o seu humor tinha sempre um fundo político, sempre um olhar sobre o quotidiano do Brasil. Imagino com que olhos olhava hoje o seu país…
A realidade portuguesa também estava no seu ponto de mira porque o que é de lá também pode ser de cá.
Os verdadeiros humoristas vêem sempre para além do hoje, e daí a actualidade e perenidade dos seus textos. O mundo às vezes parece que pula e avança mas repete-se como se a história e os seus personagens não fossem capazes de escrever algo de novo.
O cidadão que gostava de jazz e blues, que ostentava charutos cubanos e torcia pelo Fluminense, achava que ter medo da morte era uma coisa inútil já que se tratava de uma inevitabilidade.
Entrevistei Jô Soares duas vezes, no Passeio dos Alegres no auge do Planeta dos Homens, e nos bastidores do teatro no Rio de Janeiro onde fazia o espectáculo Viva o gordo – Abaixo o regime. Não foram entrevistas de graçolas porque o humor é uma coisa séria para pensar.
Agora que partiu, fica na nossa memória a sua mão rechonchuda a mandar um “beijo do Gordo” porque, cá por baixo o pano caiu.