Alguns sabem que o Arinto é grande casta branca portuguesa e outros reconhecem que é em Bucelas que a variedade — resultante do cruzamento entre Branco Escola e Castelão — atinge a plenitude. Porquê? Porque há aqui neste pequeno enclave a Norte de Lisboa uma conjugação perfeita entre solos calcários, orografia ondulante e moderação de temperaturas, com noites húmidas que fazem lembrar uma ilha açoriana. Donde, os brancos de Bucelas são especiais, vibrantes e cheios de terroir, coisa que se traduz em aromas e sabores marcadamente minerais.
Por causa disso tudo, Nuno Cancela de Abreu, enólogo na região e autor do célebre Morgado de Santa Catherina (hoje pertencente ao universo Sogrape), está, com oito pequenos produtores de Bucelas, a ultimar os estatutos de uma associação que tem por objectivo “criar condições para a promoção dos vinhos de Bucelas”. Perguntamos-lhe se será algo como os Baga Friends e o responsável da marca Boas Quintas diz-nos que terá o mesmo espírito. “Como estamos perante uma região especial, mas com produtores de muito pequena dimensão, creio que faz sentido que nos juntemos para a promoção conjunta. Promoção e produção de conteúdos de divulgação da região. É uma questão de racionalidade”.
Grosso modo, a micro-região demarcada de Bucelas terá cerca de 10 produtores para um universo de vinha a rondar os 180 hectares, o que significa que, com tal estrutura fundiária, a rentabilidade dos projectos só é possível se os preços médios dos vinhos subirem à saída da adega, coisa que, como se imagina, não é fácil. “Não iremos funcionar como cartel, mas iremos acordar, com os associados, um preço mínimo de venda à saída da adega de um vinho de Bucelas”, diz Nuno Cancela de Abreu.
Enólogo que conhece bem a região, Hugo Mendes dizia-nos há dias, e a propósito de um trabalho publicado no Fugas sobre Arinto, que “as grandes empresas da região não estão minimamente interessadas em explorar o potencial destes vinhos de guarda. E os vinhos de Bucelas só são grandes vinhos com o tempo. Fazer vinhos e lançá-los rapidamente no mercado, a preços baixos, é não perceber o potencial que a região tem. Por alguma razão havia a categoria Garrafeira nesta região. Bucelas é uma região de vinhos de nicho, nunca uma região de volume”.
De facto, quando hoje se assiste a um nicho crescente de consumidores que procura vinhos brancos com algum estágio de garrafa, os Arintos de Bucelas são perfeitos. “Lançar no mercado vinhos de Bucelas menos de um ano a seguir à vindima é exactamente a mesma coisa do que lançar o Encruzado nos mesmos moldes. Ou seja, é um disparate”, realça Nuno Cancela de Abreu.
Por outro lado, a associação pretende promover o território em si. “Bucelas fica a 20 quilómetros de Lisboa e é de uma beleza rural que muita gente não conhece nem imagina”, de maneira que a criação de um circuito de visitas pelas diferentes adegas poderá ser outro desafio.
Tudo bem pensado. Aliás, o país só teria a ganhar se nascessem mais clubes a defender castas. Toda a comunicação que se produz à volta de uma casta é excelente para os produtores, comerciantes e consumidores. Nunca é demais discutir uma casta. Temos a obrigação de falar de castas como falamos de sardinhas. Ou de bacalhau. Faz-nos bem.