Impasse na exportação de cereais da Ucrânia continua sem fim à vista
Zelensky e a União Europeia multiplicam-se em esforços para assegurar aos líderes africanos que é a Rússia a responsável pelo bloqueio dos portos, enquanto Moscovo culpabiliza o Ocidente pela crise alimentar mundial que se avizinha.
O Dia Mundial do Refugiado assinalou-se esta segunda-feira com um recorde negro para a Ucrânia. A guerra lançada pela Rússia no fim de Fevereiro já obrigou 7,5 milhões de pessoas a saírem do país, fazendo desta a mais rápida e maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, e o número ainda não parou de crescer.
A propósito da efeméride, o actor Ben Stiller, que é embaixador da boa vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), trocou os estúdios onde habitualmente protagoniza filmes cómicos pelas ruas de Irpin, nos arredores de Kiev, onde as autoridades ucranianas dizem ter encontrado um cenário bem mais negro após a retirada da tropa russa. “Estou aqui para conhecer pessoas forçadas a fugir de suas casas por causa da guerra. As pessoas contaram-me como a guerra mudou as suas vidas e explicaram-me que perderam tudo e que estão muito preocupadas com o futuro”, declarou Stiller num vídeo divulgado pelo ACNUR.
“Ninguém escolhe fugir de casa. Procurar a segurança é um direito e precisa de ser defendido para todas as pessoas”, acrescentou o actor.
A visita de uma celebridade como Stiller, que foi partilhando fotografias nas suas redes sociais com milhões de seguidores, serve para chamar a atenção para o problema que enfrentam muitos ucranianos e para tentar combater a “fadiga de Ucrânia” que se começa a apoderar de muitas pessoas nos países ocidentais.
E em África, onde a escassez e o encarecimento de cereais, de combustíveis e de fertilizantes está a piorar a já complicada situação humanitária de vários países. Esta segunda-feira, o Presidente ucraniano discursou perante os líderes da União Africana para lhes dizer que é a Rússia a única responsável pelo “estado de emergência” em que se encontra “todo o mundo”.
“Esta guerra pode parecer-vos muito distante de vocês e dos vossos países, mas os preços catastroficamente altos já a levaram para casa de milhões de famílias africanas”, disse Volodimir Zelensky, acrescentando que o continente “está refém de quem começou a guerra”. O chefe de Estado ucraniano garantiu que estão a decorrer “negociações difíceis” para desbloquear os portos na costa do Mar Negro, mas que “ainda não há qualquer progresso”.
Nos silos ucranianos estão armazenadas qualquer coisa como 20 milhões de toneladas de cereais. O país tem tentado escoá-los por via terrestre, mas dessa forma apenas consegue exportar cerca de um quinto do que habitualmente envia para o estrangeiro. O sector agrícola representa 10% do PIB ucraniano, o que em 2021 significou 12 mil milhões de dólares.
O impasse parece não ter uma solução à vista. Países como a Lituânia e a Estónia defendem o envio de navios de guerra para o Mar Negro para escoltar a saída da mercadoria, enquanto as Nações Unidas e a Turquia preferem seguir uma via diplomática que tarda em dar frutos.
Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, disse que o bloqueio à exportação de cereais é “um verdadeiro crime de guerra” e considerou “inimaginável que milhões de toneladas de trigo continuem bloqueadas na Ucrânia quando o resto da população mundial sofre de fome”. O alto responsável para a Política Externa e de Segurança da UE decidiu enviar uma carta a todos os ministros africanos dos Negócios Estrangeiros para lhes explicar que “as sanções europeias não afectam a exportação de cereais nem os fertilizantes” e que “é a Rússia que bloqueia as exportações, destrói os portos, as infra-estruturas e os armazenamentos alimentares.”
Moscovo devolve a acusação. “A culpa é dos regimes ocidentais, que agem como provocadores e destrutores”, disse a porta-voz dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova. Também a presidente da cadeia televisiva RT, Margarita Simonian, afirmou no Fórum Económico Mundial de São Petersburgo que “a fome vai começar e [os países ocidentais] vão levantar as sanções e ser nossos amigos, porque eles vão perceber que é impossível não serem nossos amigos.”