Porque é que Johnny Depp perdeu o caso de difamação no Reino Unido e ganhou o que apresentou nos EUA?

O facto de nos EUA a decisão ter estado nas mãos de um júri teve um peso significativo no veredicto do julgamento que foi divulgado na quarta-feira, consideram especialistas.

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Depp venceu o processo em que lançava três acusações de difamação contra Heard e receberá uma indemnização de 10,35 milhões de dólares Reuters/EVELYN HOCKSTEIN

O veredicto do julgamento por difamação de Johnny Depp trocou, de certa forma, as voltas à jurisprudência das celebridades, considerando que, na sociedade, há muito que prevalecia a ideia de que era mais fácil para alguém famoso sair vitorioso de um caso de difamação no Reino Unido do que nos Estados Unidos.

A razão, de acordo os juristas, explica-se simplesmente pelo facto de, no Reino Unido, onde Johnny Depp sofreu uma derrota, o caso contra a sua ex-mulher Amber Heard ter sido decidido por um juiz, enquanto nos Estados Unidos a decisão coube a um júri, consideram os especialistas. “A resposta é simples”, afirmou George Freeman, director executivo do Media Law Resource Center: “Estava nas mãos do júri”.

Depp venceu o processo em que lançava três acusações de difamação contra Heard e receberá uma indemnização de 10,35 milhões de dólares (9,7 milhões de euros), anunciaram os sete jurados na quarta-feira. O júri concluiu ainda que o actor, através do seu advogado Adam Waldman, difamou a sua ex-mulher numa das três acusações apresentadas por Heard no seu processo. A actriz será, por isso, indemnizada com dois milhões de dólares (quase 1,9 milhões de euros).

Johnny Depp processou Heard por difamação em 2019, no condado de Fairfax, na Virgínia, a propósito de um artigo que a actriz publicou alguns meses antes no The Washington Post. Heard não fez referência a Depp no artigo, mas escreveu que era “uma figura pública a representar abusos domésticos”.

Em 2020, Depp sofreu uma derrota num caso semelhante no Reino Unido, no qual processou o tablóide The Sun por considerá-lo “espancador da mulher”. A lei de difamação tem sido, por norma, mais favorável para os queixosos no Reino Unido, levando mesmo a haver um “turismo de difamação”, com quem abra um processo num tribunal britânico à procura de benefícios.

Tendo isto em conta, o facto de Depp ter vencido o caso nos EUA causou alguma surpresa, visto que aqui é mais difícil para os queixosos provarem a difamação de uma figura pública. Segundo a lei americana, um queixoso num julgamento por difamação tem de provar que a entidade que o prejudicou agiu realmente de má-fé, o que significa que sabiam à partida que a declaração de difamação era mentira.

Mark Stephens, um advogado inglês especializado em direito dos media familiarizado com ambos os casos, explicou que a equipa jurídica de Depp nos Estados Unidos aplicou uma estratégia conhecida como DARVO — um acrónimo que significa negar, atacar e inverter os papéis de agressor e agredido —, tornando-se Depp, assim, na vítima e Heard na agressora. “Consideramos que a DARVO funciona muito bem com júris, mas que quase nunca funciona com juízes, que são treinados para olhar para as provas”, disse Stephens.

Embora não tenha sido mencionada directamente no caso britânico, Heard prestou declarações ao longo de vários dias como testemunha da parte do The Sun. O juiz britânico acabou por concluir que as alegações contra Depp eram “substancialmente verdadeiras”, decidindo, em 2020, que “a grande maioria das alegadas agressões foram provadas ao nível civil”.

Embora o caso de Virgínia obrigasse a equipa de Depp a passar por padrões muito mais elevados, “tal não teve impacto no veredicto, porque, no fundo, o que se tinha era um júri a acreditar em provas que um juiz britânico não aceitou, pelo que é aqui que reside a diferença. Excepcionalmente, não nos diferentes quadros legais”.

Isto pode explicar a razão pela qual Depp perdeu no Reino Unido, apesar de não ter sido obrigado a provar como falsa a acusação de que espancava mulheres. Neste caso, segundo a lei britânica, o que tinha de ser provado era que Depp espancava, de facto, mulheres. “Se Depp tivesse apresentado este mesmo caso aqui nos EUA, teria de passar pelo fardo de convencer o júri de que a acusação era falsa”, adiantou Lee Berlik, um advogado sediado na Virgínia e especializado em direito de difamação e litígios comerciais.

Esta distinção tem um peso significativo, porque nos casos em que há provas de ambos os lados, e o júri não consegue determinar qual das partes está a dizer a verdade, a parte encarregada de dar provas perde. “É notável que um juiz no Reino Unido tenha concluído que o Sun conseguiu provar 12 actos separados de ‘espancamento da mulher’ cometidos por Depp, mas que na Virgínia o júri não tenha encontrado nenhum acto de abuso doméstico e concluído que as afirmações da sra. Heard eram basicamente um ‘embuste'”, acrescentou Berlik.

Depp fez com que o caso fosse julgado na Virgínia, que tem um estatuto anti-SLAPP (Acções Estratégicas Contra a Participação Pública) relativamente fraco, em vez de na Califórnia, onde residem tanto o actor como Heard. Tais estatutos permitem aos arguidos arquivar processos judiciais sem mérito com rapidez. Heard ainda tentou arquivar o processo de Depp, mas sem sucesso.

A outra diferença entre os dois casos é o caos que teve lugar no mundo digital fora da sala de audiências. Ainda que o caso do Reino Unido tenha suscitado uma grande cobertura mediática, o julgamento na Virgínia levou-o a outro patamar. O julgamento foi transmitido em directo, com milhões de pessoas a ligarem-se e a dissecar os testemunhos nas redes sociais. O Saturday Night Live chegou mesmo a ridicularizá-lo. E embora os jurados tenham sido ordenados a não ler sobre o caso, não foram sequestrados.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Nina Muschketat

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