Transportes de Lisboa têm de cativar utentes esporádicos e quem só usa o carro

Para além da frota, há que investir mais na infraestrutura, incluíndo paragens e vias dedicadas para autocarros.

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Um dos 1400 novos autocarros que entrarão ao serviço LUSA/MANUEL ALMEIDA

É preciso ir buscar para o sistema de transportes públicos da área metropolitana de Lisboa quem apenas o utiliza esporadicamente e quem só anda de carro, porque os que já o usam todos os dias não precisam de ser convencidos. Para o conseguir, não basta apresentar uma frota nova de autocarros. Há que investir muito mais na infra-estrutura, sejam nas paragens, no espaço público envolvente ou nos canais de circulação. Foi esta a ideia forte do debate, organizado pelo PÚBLICO, na tarde desta quinta-feira, sobre o início da operação da Carris Metropolitana, o novo serviço de autocarros da região da capital.

A conversa, sob o mote “Andar de autocarro na região de Lisboa vai finalmente deixar de ser complicado?”, foi a segunda promovida pelo Artéria, novo projecto de informação comunitária do PÚBLICO, apoiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sobre os diversos aspectos da vida na cidade, e que, em breve, estará disponível em sítio próprio, alojado em publico.pt, e terá também uma edição em papel.

A entrada em funcionamento da Carris Metropolitana, a 1 de Junho, recebeu elogio unânime dos participantes no debate, que foi moderado por David Pontes, director-adjunto do PÚBLICO, e contou com a participação de José Manuel Viegas, especialista em transportes, professor emérito da Universidade de Lisboa, Fernando Nunes da Silva, professor de transportes e ex-vereador da mobilidade na Câmara de Lisboa, e Avelino Oliveira, professor de arquitectura, planeamento urbano e políticas públicas.

Além do substancial aumento da oferta das linhas e da periodicidade das carreiras, a marca e a imagem uniformizadas da Carris Metropolitana terão correspondência numa gigantesca simplificação do sistema tarifário. Aliado ao uso comum do passe Navegante, reduzir-se-á a oferta dos actuais 902 títulos individuais de utilização ocasional para apenas três tarifas planas: a local, a urbana e a rápida.

Mas isso pode não ser suficiente para atrair mais gente para a nova rede de autocarros, que disporá de uma frota de 1600 veículos, dos quais 1400 serão novos ou com menos de um ano de vida. No entanto, tal está longe de ser suficiente. Há que fazer muito mais para que o sistema de autocarros, em concreto, e todo o sistema de transportes públicos da área metropolitana, no seu conjunto, passem a ser mais atraentes para a generalidade das pessoas, consideram os especialista.

“As pessoas que há muito abandonaram os transportes públicos e passaram a andar de carro não vão sentir muitas mudanças. Isto funciona, sobretudo, para as que já os utilizam”, afirma Nunes da Silva, apelando à adopção de sistemas tarifários mais flexíveis para dar resposta às exigências da vida contemporânea. Apesar de considerar muitíssimo importante esta etapa, o ex-vereador considera que a “a grande revolução foi a redução brutal” do valor do passe, registada a partir de Abril de 2019, com a entrada em vigor do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes), com o passe Navegante Metropolitano a custar 40 euros.

José Manuel Viegas acha que “já ninguém deixa de usar o transporte público por ser demasiado caro”, excepto se for um utilizador esporádico, para quem as soluções tarifárias continuarão a ser demasiado rígidas. “O sistema continua montado para as pessoas que não têm carro, quando deveria apelar a todos”, diz o professor universitário. “Muitas pessoas andam de carro porque não têm uma ligação directa aos seus destinos e os transbordos são demorados”, critica.

Um diagnóstico com o qual concorda Avelino Oliveira, que insistiu na necessidade de se fazer um forte investimento na infra-estrutura sobre a qual o sistema de autocarros está estruturado. E isso tem que ver com melhores paragens, sistemas de informação, mas sobretudo com mais e melhores vias dedicadas em exclusivo aos autocarros. “A cidade tem que ser desenhada em função do transporte público”, considera. “As políticas de investimento na infra-estrutura ainda estão muito abaixo do necessário para atrair mais pessoas", diz. “Não tem que ver só com os autocarros, que são importantes, temos que melhorar o espaço público.”

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