O melhor do mundo para alguém

Os bebés que sentem que os pais não conseguem tirar os olhos deles, apaixonados, crescem adubados por essa certeza de que são “amáveis”, que são merecedores de todo o amor

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@designer.sandraf

Ana,

Estivemos juntas a assistir ao Festival Corpo 2022, na Quinta da Ribafria, em Sintra, organizado pelo AiaDança, mas não era o sítio para conversar contigo sobre este assunto. Aqui vai agora.

Choro sempre que vejo as nossas pequeninas a dançar, mas a questão é que também me comove imenso ver o frenesim dos outros pais e avós quando é a vez de as suas “estrelas” subirem ao palco. Reparaste como os irmãos mais novos acenam para lhes tentarem atrair a atenção? E vêm-me logo as lágrimas aos olhos quando as bailarinas mais pequeninas, acenam de volta, como se não estivesse mais ninguém na plateia para além da sua família.

Não há dúvida nenhuma de que o segredo da felicidade é sermos o melhor do mundo para alguém. Os bebés que sentem que os pais não conseguem tirar os olhos deles, apaixonados, crescem adubados por essa certeza de que são “amáveis”, que são merecedores de todo o amor, e suspeito que não se conformarão ao longo da vida com simulacros.

Parece-me, Ana, que é esse o verdadeiro significado da palavra auto-estima. Tudo o resto vem por acréscimo.


Querida Mãe,

Ai, também estava a sentir-me tão ridícula a deixar cair lágrimas só de olhar para elas ali em cima no palco! E o mais tonto é que não choro só pelas minhas filhas. Comovem-me aquelas bailarinas, aquelas músicas, a originalidade e a força daquelas coreografias porque sinto que por mérito daquele espaço onde as crianças e adolescentes podem mesmo descobrir e exprimir as suas emoções.

A maturidade com que dançam fascina-me e, ao mesmo tempo, revolta-me que a dança, o canto, as artes, não ocupem o lugar que merecem nos currículos académicos. E sabe quem são os maiores prejudicados? Os rapazes. Os nossos preconceitos privam-nos destas formas de expressão tão essenciais ao desenvolvimento.

Felizmente o Ensino Articulado, de que as gémeas usufruem na escola pública, já é um grande passo, permitindo que tantas crianças e jovens possam ver a música ou a dança equiparada às outras disciplinas, descobrindo e alimentando uma vocação que de outra forma desconheceriam ter, ou que mesmo já conhecendo, não teriam os recursos financeiros para prosseguir. E não é preciso que venham a ser dançarinos ou músicos profissionais, a experiência conta por si, enriquece-os, torna-os mais abertos a todas as formas de arte — e não nos andamos sempre a queixar que a cultura não tem público?

Por tudo isto, mãe, cabe-nos passar com urgência a palavra, porque há tanta gente que nem sabe que o Ensino Articulado existe, cabe-nos provar a quem decide estas coisas como vale a pena, e estimular a criação destes protocolos em ainda mais escolas.

Agora ao seu ponto: o melhor do mundo para alguém. Uma vez perguntei a um terapeuta que admiro muito se os pais não deviam disfarçar esse orgulho que sentem pelos filhos, de forma a prepará-los para um mundo onde obviamente não vão ser vistos como o “melhor do mundo”, evitando simultaneamente transformá-los em “monstros vaidosos”. Sabe o que me respondeu? Qualquer coisa como: “É exactamente por isso que é tão importante sermos o melhor do mundo para os nossos pais. Mais vale sentir que o somos para alguém, e irmo-nos ajustando à realidade, do que partirmos da ideia de que não somos merecedores desse amor incondicional, permitindo que o mundo nos vá confirmando essa dolorosa suspeita.”

E se tivermos dúvidas, basta lembrarmo-nos do nosso Cristiano Ronaldo: a sua mãe sempre achou que era o melhor do mundo, e foi nisso em que se tornou (e à falta de emojis, veja aqui o meu sorriso).


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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