Violação: crime público e mais tempo para a denúncia

Este crime não só deverá ter natureza pública como também deve ser concedido à vítima um prazo de denúncia mais alargado. Seis meses não é o prazo ideal para que a vítima, com todos os aspectos psicológicos inerentes ao crime, possa apresentar a sua queixa.

Foto
Unsplash

Não ter dúvida de que por medo ou vergonha qualquer vítima de violação poderá não apresentar queixa é meio caminho andado para se perceber a razão da importância de uma alteração penal para tornar, com urgência, a violação em crime público.

Até aqui, para que o agressor seja verdadeiramente punido pelo crime de violação, o Ministério Público só começará com os devidos procedimentos criminais após a vítima apresentar queixa. Este facto leva a que juridicamente se enquadre este crime no campo do semipúblico. Acresce ainda o facto de a vítima ter um curtíssimo prazo legal para a denúncia: seis meses.

Estas fragilidades legais que hoje são trazidas de novo ao debate público e político impõem uma reflexão: saber se o crime de violação deve ter natureza pública à semelhança do crime de violação doméstica ou se basta alterar, alargando o prazo para apresentação de queixa.

Este crime não só deverá ter natureza pública como também deve ser concedido à vítima um prazo de denúncia mais alargado. Seis meses não é o prazo ideal para que a vítima, com todos os aspectos psicológicos inerentes ao crime, possa apresentar a sua queixa. A fragilidade, ainda latente, não lhe permite que nesse período de tempo seja possível lutar com a justiça que levará anos a julgar este tão grave crime.

Se, por um lado, é importante tornar a violação em crime público como resposta social, é também essencial à vítima alargar o prazo de denúncia. Cabe ao legislador, leia-se deputados e deputadas da nação, ter a sensibilidade para essa matéria e recuar o sentido de marcha, como aconteceu em Abril de 2021.

A partir do momento em que a violação passe a fazer parte da “esfera jurídica de todos”, isto é, passe a ser considerada crime público, a sua denúncia poderá ser apresentada por qualquer cidadão que dela tenha real conhecimento. Só assim, de alguma forma, se poderá provocar um efeito dissuasor no agressor, ao saber que o crime é público e que qualquer cidadão o poderá denunciar.

No entanto, e sempre a considerar o elo mais fraco na matéria em apreço (a vítima), é preciso pensar em quantas queixas ficam por fazer e quantas investigações não são levadas adiante. Do ponto de vista jurídico, não há nem pode existir qualquer contexto social ou legal para que não se possa denunciar um agressor de violação.

Mais, todos nos recordamos das afirmações proferidas por um jovem de 19 anos num directo feito pelo humorista Fábio Alves no Instagram, quando este o questiona sobre qual a coisa mais bizarra e erótica praticada durante um acto sexual. O jovem diz que não pode dizer, mas um amigo revela que foi violar uma rapariga: “Deixei-a lá e depois o INEM foi buscá-la (...).” Quando o humorista lhe pergunta se é mesmo assim, o jovem reitera que violou a jovem e que “foi só uma vez”.

Estas afirmações causaram a revolta e o alarme social e foram largamente difundidas, tornando-se mesmo virais e gerando uma onda de indignação. Facto sintomático da necessidade para que se reformule a lei penal nesta matéria.

A todos nos deve orgulhar o avanço legislativo que foi sendo feito no que concerne ao crime de violência doméstica; ficará então por compreender a razão de o Parlamento não decidir alterar o caminho da legislação agora em vigor, de modo a torná-la coincidente com a realidade numa matéria igualmente tão importante.

Tornar a violação um crime público, bem como ampliar o prazo de denúncia, é o caminho certo e necessário para a protecção das milhares de vítimas que pelo medo ou pela vergonha se remetem a tão atroz e doloroso silêncio. Está nas mãos do legislador abrir a porta a todas as vítimas de violação, respondendo ao apelo da sociedade civil.

Sugerir correcção
Comentar